P: Temos grandes helenistas, latinistas, sanscritistas e hebraístas. Como se explica que em suas tradições não se encontre nada do que vocês dizem?
T: Porque seus tradutores tomaram aos filósofos — principalmente aos gregos — por escritores nebulosos, ao invés de reconhecer que são místicos. Veja por exemplo Plutarco, e o que ele diz a respeito dos "princípios" do homem. Sua descrição foi aceita literalmente e atribuiu-se à superstição metafísica e ignorância. Como por exemplo: "O homem — diz Plutarco — é composto; e estão errados aqueles que o acreditam composto de somente duas partes. Pois supõem que o entendimento (intelecto do cérebro) é uma parte da alma (a tríade superior); mas se equivocam nisto, da mesma forma que aqueles que fazem da alma uma parte do corpo (isto é, da tríade uma parte do quaternário mortal corruptível). Pois o entendimento (Nous) tanto excede à alma como esta sobrepuja em bondade e divindade ao corpo. Pois bem, esse composto da alma (psiche), com o entendimento (Nous) forma a razão; e, com o corpo (o thumos, alma animal), a paixão; sendo uma, a origem ou princípio do prazer e da dor, e o outro, da virtude e do vício. Dessas três partes unidas e compactas entre si, a terra deu o corpo, a lua a alma e o sol o entendimento à geração humana".
Esta última frase é puramente alegórica, e só aqueles que estão versados na ciência esotérica das correspondências a entendem, e sabem qual é o planeta relacionado com cada princípio. Plutarco os divide em três grupos, e faz do corpo um composto de forma física, sombra astral e alento, ou parte tríplice inferior, que "foi tirada da terra e à terra voltará". Do princípio médio e da alma instintiva, ele forma a segunda parte, derivada da lua e influenciada por ela[1]; e unicamente da parte superior da Alma Espiritual (Buddhi), com os elementos átmicos e manásicos nela, faz uma emanação direta do sol, que aqui representa Agathon, a Deidade Suprema. Isto fica provado pelo que ele diz:
"Assim é que das mortes pelas quais passamos, uma faz ao homem, dois de três, e a outra, um de dois. A primeira ocorre na região e jurisdição de Demeter, pelo que o nome dado aos mistérios, telein se assemelhava ao que davam à morte telein tan. Os atenienses também consideravam os mortos como consagrados a Demeter. Quanto à outra morte, tem lugar na lua, ou região de Persefona".
Esta é nossa doutrina, que mostra o homem como um setenário durante a vida; um quinário imediatamente depois da morte, em Kama-Loka; e uma tríade, o Ego, espírito-alma e consciência, em Devakhan. Essa separação, primeiro nos "Prados de Hades", como chama Plutarco à Kama-Loka, e depois em Devakhan, era parte integrante das representações dos sagrados Mistérios, quando os candidatos à iniciação representavam o drama completo da morte e ressurreição como espírito glorioso, entendendo-se por esse nome a plena consciência. A isto se refere Plutarco, quando diz:
"E tanto como o um -- o terrestre — como com o outro - o celeste — vive Hermes. Ele arranca repentina e violentamente a alma do corpo; mas docemente e durante longo tempo, separa Proserpina, o entendimento da alma[2]. Por esta razão é chamada Monógenes, autogerada, ou melhor, que gera a um só; porque a melhor parte do homem fica só, quando é separada por ela. Tanto um quanto outro, assim sucede, de acordo com a natureza. Prescreve o destino (o Karma) que cada alma, com o sem-entendimento (inteligência), uma vez fora do corpo, há de vagar durante um tempo determinado, embora não todas por igual, pela região que se estende entre a terra e a lua (Kama-Loka)[3].
Os que foram injustos e dissolutos sofrem então o merecido castigo por suas culpas; mas os bons e virtuosos ficam aí detidos até que estejam purificados e tenham purgado por meio da expiação todas as corrupções que possam ter adquirido pelo contágio do corpo, como enfermidades vergonhosas; vivendo na parte mais suave do ar chamada Prados de Hades, onde vão permanecer durante certo tempo determinado e assinalado. E então, como se voltassem ao seu país depois de uma peregrinação, ou depois de longo desterro, experimentam uma sensação de alegria, como a que sentem principalmente aqueles que são iniciados nos sagrados Mistérios, mesclada de inquietude, de admiração, e cada um com suas esperanças peculiares".
Esta é a bem-aventurança nirvânica, e nenhum teósofo poderia descrever em linguagem mais clara, embora esotérica a alegria e gozos mentais de Devakhan, onde cada homem se vê rodeado do paraíso formado por sua consciência. Mas deve colocar-se em alerta contra o erro em que muitos caem, até nossos teósofos. Não se imagine que pelo fato do homem ser chamado setenário, depois quíntuplo, e depois tríade, seja por isto um composto de sete, cinco ou três entidades; ou, como disse um escritor teosófico, um conjunto de peles ou cascas separáveis como as de uma cebola.
Como já se disse, os "princípios", excetuados o corpo, a vida e o eidolon astral, os quais se dispersam na morte, são simplesmente aspectos e estados de consciência. Só existe um homem real permanente através do ciclo de vida, imortal em essência, senão na forma, e esse é manas, o homem-mente ou consciência encarnada. A objeção dos materialistas, que negam a possibilidade da ação da inteligência e da consciência sem a matéria, não tem qualquer valor em nosso caso. Não negamos força a seu argumento, mas perguntamos simplesmente a nossos adversários: "conhecem todos os estados da matéria, vocês que até agora só sabiam de três? Como sabem se aquilo a que nos referimos como Consciência Absoluta, ou Deidade, sempre invisível e incognoscível, não é o que embora escapando eternamente a nosso conceito humano finito, é, sem dúvida, o espírito-matéria universal ou matéria-espírito, em sua infinidade absoluta?" O Ego consciente é um dos aspectos inferiores deste espírito-matéria fracionado durante suas manifestações manvantáricas, o qual cria o seu próprio paraíso, paraíso fantasmagórico talvez, mas sem dúvida um estado de felicidade.
P: Mas o que é o Devakhan?
T: Literalmente, a "terra dos deuses"; uma condição, um estado de felicidade mental. Filosoficamente, uma condição mental análoga ao sonho; porém muito mais viva e real que o sonho mais vivo. É o estado da maioria dos mortais, depois da morte.
[1] Os cabalistas que conhecem a relação que existe entre Jehovah, o produtor da vida e dos filhos, com a lua, e a influência desta sobre a geração, compreenderam este ponto, assim como alguns astrólogos.
[2] Proserpina ou Persefona, representa aqui o Karma post-mortem que se supõe reger ou regular a separação dos "princípios" inferiores dos superiores, isto é, a alma, como nephesh, o hálito da vida animal que permanece durante algum tempo em Kama-Loka, do Ego superior composto, que entra em estado de Devakhan, ou bem-aventurança.
[3] Até que tenha lugar a separação do "princípio" superior espiritual, dos inferiores, que permanecem em Kama-Loka até a desintegração.