Distinção entre a alma e o espírito

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 12:37

P: É verdade então que vocês realmente ensinam a aniquilação de toda personalidade, conforme a acusação que contra vocês é feita por alguns espiritualistas e espíritas franceses?

T: Não fazemos isso. Mas como essa questão da dualidade — a individualidade do Ego divino e a personalidade do animal humano — envolve a possibilidade da aparição do Ego real, imortal nas sessões espíritas como "espírito materializado" (o que negamos, conforme minha explicação anterior), nossos adversários nos lançaram essa desatinada acusação.

 

P: Você acabou de falar do completo aniquilamento da "psiche" quando esta se soma à anoia. O que entendia Platão por isso, e qual a sua explicação?

T: O aniquilamento completo da consciência pessoal deve ser caso raro e excepcional, segundo me parece. A regra geral e quase invariável é a fusão da personalidade na consciência individual ou imortal do Ego (uma transformação ou transfiguração divina), e o aniquilamento completo, somente do quaternário inferior. Você pensa acaso na possibilidade de que o homem carnal, ou a personalidade temporal, sua sombra, o "astral", seus instintos animais e até sua vida física possam sobreviver juntos com o "Ego espiritual", e sejam eternos? Naturalmente tudo isto deixa de existir, seja no momento da morte corporal, seja depois. Desagrega-se por completo no seu tempo, e desaparece da vista, aniquilando-se em conjunto.

 

P: Nesse caso vocês se opõem à "ressurreição da carne"?

T: Absolutamente! Se nós cremos na filosofia arcaica esotérica dos antigos, por que haveríamos de aceitar as especulações ante-filosóficas da Teologia cristã posterior, tirada dos sistemas exotéricos gregos e egípcios dos gnósticos?

 

P: Os egípcios honravam aos espíritos da natureza, e deificavam até as cebolas; os hindus são até agora idolatras; os zoroasírianos adoravam e ainda adoram o Sol; e os melhores filósofos gregos eram sonhadores ou materialistas como Platão e Demócrito, respectivamente. Como vocês se atrevem a compará-los?

T: Pode ser que o catecismo cristão e até a ciência moderna mostre assim, mas para os espíritos livres isso não é exato. Os egípcios cultuavam ao "Uno-Único-Uno" sob o nome de Nout, e foi desta palavra que Anaxágoras tirou sua denominação Nous, ou conforme a chama, NOuz an to k ra thz "a Mente ou Espírito Potente por si mesmo"; o arch thz kinhuewz, "o motor principal", o primum mobile de tudo. Para ele o Nous era Deus, e o logos, o homem, sua emanação. O Nous é o espírito (tanto no cosmo quanto no homem); e o logos, seja o universo ou o corpo astral, a emanação do primeiro, sendo que o corpo físico é somente o animal. Nossos poderes externos percebem os fenômenos, mas unicamente nosso Nous é capaz de conhecer seus números. Somente o logos ou o noumenon é o que sobrevive, pois é imortal em sua própria natureza e essência, e o logos é o Ego eterno no homem, que se reencarna e vive eternamente. Portanto, como pode a sombra externa que se desvanece, a roupagem temporal dessa emanação divina, que volta à fonte de onde surgiu, ser "o formado na incorruptibilidade"?

 

P: Sem dúvida vai ser muito difícil que vocês se livrem da acusação de haver inventado uma nova divisão das partes constituintes do homem espiritual e psíquico; porque nenhum filósofo fala delas, embora acreditem que Platão as mencione.

T: E o sustento. Além de Platão, aí está Pitágoras que pensava da mesma forma[1]. Descreveu a Alma como uma unidade (Mônada) que se movimenta por si mesma, composta de três elementos: o Nous (Espírito), o phren (a mente), e o thumos (a vida, o alento, ou o nephesch dos cabalistas); cujos três elementos correspondem aos nossos "Atma-Buddhi" (Espírito-alma mais elevado), manas (o Ego) e a kama-rupa em conjunção com o reflexo inferior de manas. O que os antigos filósofos gregos chamavam alma, nós chamamos espírito ou alma espiritual, Buddhi, como veículo de Atma (o Agathon, ou Deidade Suprema de Platão). O fato de Pitágoras e outros considerarem que phren e thumos formam o homem e os animais, prova que neste caso referem-se ao reflexo manásico inferior (instinto), e a kama-rupa (paixões animais ativas). E como Sócrates e Platão admitiram isto e o tomaram como seu, esses cinco princípios que são: Agathon (Deidade ou Atmã), psiche (a alma em seu sentido coletivo), Nous (o Espírito ou mente), phren (a mente física) e thumos (kama-rupa ou as paixões), agregamos o eidolon dos Mistérios, (a forma ou duplo humano), e o corpo físico, fácil será demonstrar que as idéias - tanto de Pitágoras como de Platão - eram idênticas às nossas.

Os próprios egípcios aceitavam a divisão setenária. Ensinavam que na partida, a alma (Ego) tinha que passar através de suas sete camadas ou princípios: os que deixava atrás de si e os que com ela seguiam. A única diferença que vemos, sempre levando-se em conta o castigo que trazia consigo o revelar as doutrinas dos Mistérios (o qual se pagava com a vida), é que nós damos mais forma e explicações mais detalhadas sobre esse assunto do que eles. Embora ensinando ao mundo tanto quanto nos é permitido fazê-lo, sem dúvida até mesmo em nossa doutrina vários pontos importantes são reservados, e somente os que estudam a filosofia esotérica e prometeram silêncio estão autorizados a conhecer.



[1] "Platão e Pitágoras — diz Plutarco — dividem a alma em duas partes: a racional (noêtica) e a irracional (agnoia); aquela parte do homem que é racional, é eterna, pois embora não seja Deus, sem dúvida (produto de uma divindade eterna; mas aquela parte da alma privada da razão (agnoia), morre." O moderno termo agnóstico provém de agnose, palavra similar. Estranho é que o autor da palavra, Huxley, haja relacionando sua grande inteligência com "a alma privada de razão que morre". Isto é humildade exagerada do materialista moderno?

 

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