Não havia ateus na Antigüidade, nem descrentes ou materialistas, no moderno sentido da palavra, e tampouco detratores fanáticos. Aquele que julga as filosofias antigas por sua fraseologia externa, e cita sentenças aparentemente ateísta dos escritos antigos, não merece o crédito como crítico, pois é incapaz de penetrar o sentido interno de sua metafísica. As concepções de Pirro, cujo racionalíssimo se tornou proverbial, só podem ser interpretadas à luz da mais antiga filosofia hindu. Desde Manu (*) até o último Svâbhâvika, (**) a sua característica metafísica principal sempre consistiu em proclamar a realidade e a supremacia do espírito, com uma veemência proporcional à negação da existência objetiva de nosso mundo material - fantasma passageiro de formas e seres temporários. As numerosas escolas fundadas por Kapila refletem sua filosofia de modo tão claro quanto as doutrinas deixadas, como um legado aos pensadores, por Timon, o "Profeta" de Pirro, como o chama Sexto Empírico. Suas concepções sobre o repouso divino da alma, sua orgulhosa indiferença pela opinião de seus colegas, sua recusa à sofisticaria, refletem em igual grau os raios perdidos da autocontemplação dos ginosofistas e dos Vaibhâshikas budista. Não obstante a pecha de "céticos" que se atribui tanto a ele como a seus seguidores, por causa de seu estado de constante dúvida e apenas porque levaram seus julgamentos finais a dilemas, com os quais os nossos modernos filósofos preferem tratar, como Alexandre, cortando o nó górdio, declarando o dilema uma superstição, homens como Pirro não podem ser chamados de ateus. Não mais do que Kapila, ou Giordano Bruno, ou ainda Spinoza, que também foram considerados ateus, ou então o grande poeta, filósofo e dialético hindu Veda-Vyâsa, o princípio de que tudo é uma ilusão - exceto o Grande Desconhecido e a Sua essência direta - foi adotado plenamente por Pirro. (* Manu o primeiro legislador um Ser Divino.). (** A mais antiga escola de Budismo existente.).
Essas crenças filosóficas se estendiam como uma rede sobre todo o mundo pré-cristão; e a perseguição e as falsificações supervenientes formam a pedra angular de toda religião atualmente existente além do Cristianismo.
A teologia comparada é uma faca de dois gumes, e assim se tem revelado. Mas os advogados cristãos, inabaláveis diante das provas, forçam a comparação do modo mais sereno; as lendas e os dogmas cristãos, dizem eles, assemelham-se um tanto aos pagãos, é verdade; mas vede, ao passo que um credo nos ensina a existência de um Pai-Deus Todo-poderoso, dotado de plena sabedoria, o Bramanismo nos dá uma multidão de deuses menores, e o Budismo, nenhum; um é fetichismo e politeísmo, o outro pobre ateísmo. Jeová é o único Deus verdadeiro, e o Papa e Martinho Lutero são Seus profetas! Este é um dos gumes da faca, e este é o outro: a despeito das missões, a despeito dos exércitos, a despeito dos impingidos intercâmbios comerciais, os "pagãos" nada descobrem nos ensinamentos de Jesus - por mais sublimes que sejam - que Krishna e Gautama não tenham ensinado antes. E assim, para conquistar novos convertidos, e manter os poucos já vencidos por séculos velharias, os cristãos tacham os dogmas "pagãos" de mais absurdos do que os nossos, e os castigam adotando o hábito de seus sacerdotes nativos e praticando a "idolatria e o fetichismo" que eles tanto menosprezam nos "pagãos". A teologia comparada atua em ambos os caminhos.