Evolução

Enviado por Estante Virtual em sab, 17/12/2011 - 22:08

Vamos nos ocupar esta tarde da segunda parte  do tema abordado ontem. Como podem lembrar, dividi  o tema, por questões de comodidade, em três tópicos: Diferenças,   Evolução e o problema do Bem e do Mal.  Ontem, estudamos o problema das Diferenças — a razão pela qual pessoas diferentes possuem Dharmas diferentes. Permitam-me que eu lhes recorde a definição de Dharma por   nós   adotada:   Dharma   significa   natureza   interior, sendo esta caracterizada pelo estágio presente da evolução mais a lei de crescimento para o estágio seguinte da evolução. Pedirei a vocês que tenham essa definição sempre em mente, pois sem ela não serão capazes de aplicar o Dharma ao objeto do nosso estudo na terceira divisão do nosso assunto.

No tópico intitulado "Evolução", estudaremos a maneira pela qual o germe da vida evolui até a perfeita imagem de Deus, lembrando que já salientamos que essa imagem de Deus somente poderia ser representada pela totalidade dos inúmeros objetos que com seus detalhes compõem o universo, e que a perfeição das partes individuais dependia da integridade com que estas desempenhavam as funções que lhes cabiam no formidável conjunto.

Antes que possamos entender a evolução, faz-se necessário descobrir a sua origem e a sua causa — uma existência que se precipita na matéria, antes de evoluir rumo a toda espécie de complexos organismos. Partimos do princípio de que tudo procede e se encontra em Deus. Nada há no universo que se possa excluir d'Ele. Não há vida que não a Sua vida, não há força que não a Sua força, não há energia que não a Sua energia, não há forma que não a Sua forma — tudo resulta de Seu pensamento. É esse o nosso fundamento. É este o terreno em que nos devemos manter, ousando arcar com tudo o que uma tal posição implica. "A semente de todos os seres", afirma Shri Krishna, falando na qualidade de supremo Ishvara, "eis o que sou, ó Arjuna! E não há coisa, seja animada ou inanimada, que possa existir sem Mim". (Bhagavad Gita, x. 39.) Não temamos ocupar essa posição central. Não hesitemos, alegando a imperfeição das vidas em evolução, em tirar desta verdade todas as conseqüências a que ela nos possa levar.

Em um outro shloka. Ele afirma: "Sou a fraude do trapaceiro, o esplendor das coisas esplêndidas é o que sou", (x. 36.) Qual o sentido de palavras tão estranhas? Que explicação atribuir a esta frase que se parece a uma blasfêmia? Nesta passagem, não apenas encontramos enunciada esta posição, como também descobrimos que Manu ensina uma verdade exatamente igual: "De Si mesmo Ele produz o universo". A vida que emana do Supremo se cobre de véus e mais véus de Maya e é sob eles que ela deverá desenvolver todos os atributos que contém em estado latente.

A primeira questão, então, é a seguinte: esta vida que emana de Ishvara, será que ela já não conteria em li mesma todas as coisas já desenvolvidas, todas as faculdades já manifestadas, todas as possibilidades já tornadas atualidades?  A  resposta a essa questão, tantas e tantas Vezes expressa  por símbolos,  alegorias e  palavras categóricas, é "Não".  Ela contém tudo em potência, mas a princípio nada em ato. Ela contém tudo em germe, mas a princípio  nada como organismo desenvolvido.   É  a semente que foi depositada nas gigantescas ondas da matéria, O germe somente a Vida do Mundo dá. Estes germes, que provêm da vida de Ishvara, desenvolvem — passo a passo, uma fase após outra, um degrau da escala após outro — todas as faculdades presentes no Pai gerador, nome que Ishvara se dá no Gita. Uma vez mais, afirma: "Meu ventre é Mahat-Brahma; aí eu deposito o germe; daí se origina a produção de todos os seres, ó Bharata. Seja qual for o ventre em que se formam  os mortais,  ó, Kaunteya, o Mahat-Brahma será o seu ventre e eu o seu Pai Gerador". (xiv. 3-4.)   Dessa semente — desse germe que tudo contém em possibilidade mas nada ainda em ato — dessa semente deverá se desenvolver uma vida, estágio por estágio, cada vez mais alto, até que por fim se forme um centro de consciência capaz de expandir-se até a consciência de Ishvara, sem no entanto deixar de ser um centro, capaz no entanto de vir a ser um novo Logos ou Ishvara, a fim de produzir um novo universo.

Consideremos   mais   detalhadamente   essa  vasta região do pensamento. A vida que se mescla à matéria, eis o nosso ponto de partida. Estes germes de vida, estas miríades de sementes, ou para usar a frase do Upanishad, estes inumeráveis clarões, emanam todos da Chama única que é o supremo Brahma. Tais sementes estão agora a ponto de manifestarem as suas qualidades. Estas qualidades  são  faculdades,  mas  faculdades que se manifestam através da matéria. Uma por uma, essas faculdades manifestar-se-ão  — faculdades que são a vida de Ishvara, porém veladas por Maya. Nos primeiros estágios o crescimento é  lento,  invisível, como a semente que, oculta sob a terra, lança as suas raízes para baixo e o seu delicado talo para cima, a fim de que futuramente a arvorezinha possa surgir e crescer. Esta semente divina germina em silêncio   e   suas   origens  remotas ocultam-se  nas trevas, como as raízes sob o chão.

Tais faculdades inerentes à vida, ou melhor, estas inumeráveis faculdades que Ishvara manifesta a fim de que o universo possa existir, estas miríades de faculdades são a princípio invisíveis no germe: neste, não há qualquer sinal de suas imensas possibilidades, nenhum vestígio do que ela virá a ser. Há, a respeito desta manifestação na matéria, um dito capaz de lançar muita luz sobre o assunto, se formos capazes de compreender o seu sentido implícito e sutil. Shri Krishna, falando de Seu Prakriti Inferior ou manifestação inferior, afirma: "Terra, água, fogo, ar, éter, Manas e também Buddhi e Ahamkara — são estas as oito divisões de que se compõe o Meu Prakriti. Esta é a inferior". A seguir, define o Seu Prakriti superior: "Conheça o Meu outro Prakriti, o superior, o elemento vital, ó tu que poderosamente armado sustentas o universo", (vii. 4, 5.) A seguir, um pouco mais diante, separado por muitos shlokas, de tal forma que o elo de ligação às vezes se perde, outras palavras são ditas: ''Esta divina Maya, que é a minha, formada pelos gunas, é de difícil entendimento; os que vêm a Mim somente é que podem penetrar nesta Maya". (vii. 14.) Este Yoga-Maya é realmente difícil de ser entendido; envolto que está em Maya, muitos não o descobrem, tal a dificuldade de compreendê-lo, tal a dificuldade de descobri-lo. "Os que estão desprovidos de Buddhi pensam em Mim, que não me manifesto, como se eu possuísse alguma manifestação; não conhecendo a Minha natureza suprema, imperecível, mui excelsa. E ninguém me descobre, envolto em meu Yoga-Maya." (vii. 24, 25.) A seguir, ele declara ainda que é de Sua vida não-manifesta que o universo se acha impregnado. O elemento vital, ou Prakriti superior, é o não-manifesto, o Prakriti inferior é o manifesto. Então, Ele diz: "Do não-manifesto é que tudo o que é manifesto mana ao nascer o dia; à chegada da noite; tudo se dissolve, até mesmo no que se chama de não-manifesto". (viu. 18.) Isso se repete muitas e muitas vezes. Mais adiante. Ele afirma: "E em verdade todavia existe, para lá desse não-manifesto, um outro não-manifesto, eterno, o qual, em meio à destruição de todos os seres, não é destruído", (viii. 20.) Existe uma distinção sutil entre Ishavara e a Sua própria imagem, por ele exteriorizada. A imagem é o reflexo do não-manifesto, mas Ele próprio é o não-manifesto superior, o eterno que nunca é destruído.

Entendido isso, passemos a tratar das faculdades. Aqui principiamos realmente a nossa evolução. O fluxo vital se mesclou à matéria a fim de que a semente possa se  manter em  condições materiais capazes de tornar a evolução  possível. Ë quando chegamos ao princípio da germinação da  semente que  as nossas dificuldades começam.  Pois é  necessário que  remontemos, em pensamentos, até o tempo em que nenhuma razão havia neste eu embrionário, nem poder de imaginação nem memória, nem  juízo,  nem qualquer das faculdades condicionadas da mente que conhecemos; quando todas as formas de vida eram como aquelas que encontramos no reino mineral, com as mais baixas condições de consciência. Os minerais manifestam consciência por meio de suas atrações e repulsões, pela coesão de suas partículas, por suas simpatias e antipatias recíprocas, porém eles não apresentam qualquer  traço dessa consciência que se possa exprimir pelo sentimento de um "eu" e de um "não-eu".

Em cada uma destas formas elementares do reino mineral, começa a desenvolver-se a vida de Ishvara. Aí se encontra não apenas o germe da vida, a desenvolver-se, como também Ele, com toda a Sua força e poder, se faz presente, em cada átomo de seu universo. É sua a vida movente que torna a evolução inevitável. É sua a força que dilata suavemente as paredes da matéria, com imensa paciência e diligente amor, a fim de que elas não cedam ante tamanha pressão. Deus, ele próprio o Pai da vida, encerra essa vida em si mesmo como uma Mãe, desenvolvendo a semente à Sua semelhança, sem jamais se impacientar, sem jamais se precipitar, pronto a prover o pequeno germe, das eras sem fim, com todo o tempo de que ele venha a necessitar. O tempo nada é para Ishvara, pois Ele é eterno e para Ele tudo é. É a perfeição da manifestação o que Ele procura, daí não haver qualquer pressa em seu trabalho. Mais adiante veremos como esta infinita paciência atua. O homem, destinado a ser a imagem de seu Pai, reflete em si mesmo o Eu junto de quem ele forma um só e de quem ele provém.

A vida precisa ser despertada, mas como? Por meio de golpes, de vibrações, a essência interior é chamada à ação. A vida é incitada à ação por vibrações que a atingem de fora. Estas miríades de sementes da vida, inconscientes ainda, envoltas na matéria, são lançadas umas contra as outras em meio à miríade de processos que ocorrem na natureza; a "natureza" é, no entanto, apenas a vestimenta de Deus, apenas a manifestação mais baixa por que Ele se exprime no plano material. Estas formas se entrechocam, abalando assim os invólucros exteriores da matéria que envolvem a vida, e esta, então, do lado de dentro, responde com um estremecimento aos golpes sofridos.

A natureza do golpe não tem nenhuma importância. Importa, sim, antes de mais, que o golpe seja forte. Todas as experiências são úteis. Tudo aquilo que atinja o invólucro com violência tal que a vida em seu interior reaja com um tremor, é só o que se necessita a princípio. É preciso que, a partir de dentro, a vida estremeça, pois assim uma faculdade nascente qualquer poderá despertar. A princípio, tudo não passa de um estremecimento interior, nada mais que um estremecimento, sem maiores conseqüências sobre o invólucro exterior. Mas como os golpes se sucedem uns aos outros e as vibrações às vibrações, produzindo tremores como que de terremotos, a vida envia de dentro, através do próprio invólucro que a envolve, uma resposta sob forma de palpitação. O golpe provocou uma resposta. Um outro estágio é assim alcançado — a resposta irrompe da vida oculta e sai do invólucro. Isso é o que se passa nos reinos mineral e vegetal. No reino vegetal, as respostas às vibrações provocadas por este contato provam que a vida possui uma nova faculdade: a sensação. A vida começa a revelar em si própria aquilo que chamamos "sentimento"; isto é, diferentes respostas ao prazer e à dor. O prazer é algo fundamentalmente harmonioso. Tudo o que proporciona prazer é harmonioso. Tudo o que causa dor é dissonante. Pensemos na música. As notas harmônicas, reunidas num mesmo acorde, proporcionam ao ouvido uma sensação de prazer. A beleza é harmonia, a feiúra é dissonância. Por toda a natureza, o prazer significa a resposta de um ser sensitivo às vibrações harmoniosas e rítmicas, e a dor a resposta às vibrações dissonantes e disrítmicas. As vibrações rítmicas formam um canal exterior através do qual a vida pode se expandir, sendo o "prazer" essa corrente que o atravessa; as vibrações disrítmicas obstruem os canais e impedem o fluxo, sendo a "dor" esse impedimento . O fluxo da vida em direção aos objetos é o que denominamos "desejo"; por essa razão, o prazer torna-se a gratificação do desejo. Essa distinção começa por se fazer sentir no reino vegetal. Sobrevêm um golpe harmonioso. A vida responde a ele por intermédio de vibrações harmoniosas e se expande, sentindo nessa expansão "prazer". Sobrevêm um outro golpe, dissonante agora. A vida responde a ele com uma dissonância, se reprime e nessa repressão sente "dor". Os golpes sucedem-se uns aos outros e somente após terem se repetido um sem número de vezes é que começam por despertar nesta vida cativa um sentimento de distinção entre o prazer e a dor. Somente através de diferenciações é que a nossa consciência, tal como se acha estruturada, é capaz de distinguir os objetos uns dos outros. Tomemos um exemplo bastante simples. Na palma da mão aberta temos uma moeda; fechamos a mão: sentimos a moeda; à medida, no entanto, que a pressão aumenta continuamente, a sensação de contato desaparece da mão e não sabemos mais se ela está vazia ou não. Ao movermos um dedo, voltamos a sentir a moeda; se a nossa mão permanece imóvel, a sensação desaparece. Assim, a consciência só pode vir a conhecer as coisas através de diferenciações. Quando a diferença é eliminada, a consciência deixa de reagir.

Passemos agora à faculdade seguinte, que se manifesta à medida que a vida evolui pelo reino animal. O prazer e a dor são agora sentidos intensamente e um germe de reconhecimento, ligando objetos e sensações, principia; nós o denominamos "percepção". O que significa essa palavra? Significa que a vida desenvolve a faculdade de estabelecer um vínculo entre o objeto que a impressiona e a sensação por meio da qual ela reage ao objeto. Quando esta vida nascente, ao entrar em contato com um objeto externo, reconhece neste um objeto que proporciona prazer ou dor, dizemos então que o objeto foi percebido e que a faculdade de percepção, ou o estabelecimento de vínculos entre os mundos interno e externo, já se acha desenvolvida; as faculdades mentais começam então a germinar e a crescer no interior desse organismo; podemos encontrá-las nos animais superiores.

Tomemos como exemplo o selvagem, o que nos permitirá vencer com mais rapidez estes estágios preliminares. Nele encontramos a consciência do "Eu" e do "não-Eu" estabelecendo-se lentamente, se desenvolvendo conjuntamente. O "não-Eu" o afeta e o "Eu" o sente; o "não-Eu" lhe proporciona prazer e o "Eu" o sente; o "não-Eu" lhe causa dor e o "Eu" a sofre. Estabelece-se então uma distinção entre o sentimento, intuído como "Eu", e tudo o que passa por ser a sua causa, intuído como "não-Eu". Aqui principia a inteligência e começa a desenvolver-se a raiz da autoconsciência. Ou seja, forma-se um centro para o qual tudo converge e do qual tudo provém. Referi-me à repetição das vibrações e esta repetição produz agora resultados mais rápidos. Na medida em que a repetição funda a percepção dos objetos que proporcionam prazer, passa-se ao estágio seguinte, a expectativa de prazer antes que o contato tenha se verificado. O objeto é reconhecido como aquele que proporcionou prazer em situações anteriores; espera-se uma repetição daquele prazer e essa expectativa é o despertar da memória e o princípio da imaginação, o entrelaçamento do intelecto com o desejo. Porque o objeto proporcionou prazer uma vez, espera-se que ele torne a fazê-lo. Assim, esta espera faz com que se manifeste o germe de uma outra faculdade da mente. Quando se dá o reconhecimento do objeto e a expectativa de prazer quanto ao seu retorno, o estágio seguinte é a formação e a animação de uma imagem mental desse objeto - a sua recordação -, dando origem assim a uma efusão do desejo, desejo de possuir esse objeto, anseio por esse objeto, é, finalmente, a resolução de buscar esse objeto que proporciona sensações de prazer. Assim, o homem se torna cheio de desejos ativos. Ele deseja o prazer e é movido a buscá-lo pela mente. Por muito tempo ele permanecera no estágio animal, quando jamais saía em busca de uma coisa sem que uma sensação real originada no interior de seu corpo fizesse com que ele desejasse aquilo que somente o mundo exterior poderia satisfazer. Recuemos, por um momento apenas, até esse estágio animal; pensemos no que impele o animal a agir: o desejo imperioso de se ver livre das sensações desagradáveis. Ele sente fome, deseja o alimento, sai em busca dele; ele tem sede, deseja saciá-la, sai em busca de água. Assim, ele sempre sai em busca do objeto capaz de satisfazer o seu desejo. Uma vez assegurada a satisfação do seu desejo, ele se aquietará. Não há qualquer movimento espontâneo no animal. O estímulo precisa vir de fora. A fome, certamente, se faz sentir dentro do corpo, mas fora do centro de consciência. A evolução da consciência pode ser medida pelo grau com que o estímulo externo à ação tende ao estímulo espontâneo. A consciência inferior é estimulada à ação por influências exteriores a ela. A consciência superior é estimulada à ação por um movimento iniciado em seu próprio interior. Assim, ao estudarmos o caso do selvagem, constatamos que a satisfação do desejo é a lei do seu progresso. Isso pode parecer estranho a muitos de vocês. Manu diz: procurar livrar-se dos desejos satisfazendo-os é como tentar tapar o sol com a peneira. O desejo deve ser contido e refreado. O desejo deve ser completamente extinguido. Isso é mais do que certo, mas apenas quando o indivíduo já atingiu um certo estágio da evolução. Nos primeiros estágios, a satisfação dos desejos é a condição da evolução. Se ele não satisfaz os seus desejos, não haverá progresso possível para ele. Devemos notar que nesse estágio nada há que se possa chamar de moral. Não há qualquer distinção entre o bem e o mal. Todo desejo deve ser satisfeito; quando este centro de consciência recém-formado busca a satisfação dos seus desejos, somente então é que ele passa a crescer. Nesse estágio inferior, o Dharma do selvagem, ou do animal superior, lhe é imposto. Não há escolha; a sua natureza interior, determinada pelo desenvolvimento do desejo, exige a satisfação. A lei do seu crescimento é a satisfação destes desejos. Desse modo, pois, o Dharma do selvagem é a satisfação de todos os desejos. E nele não encontramos nenhuma consciência do que é bem e mal, nem a mais vaga noção de que a satisfação dos desejos é proibida por alguma lei superior. Sem essa satisfação dos desejos, não poderia haver crescimento possível. Crescimento esse que deve preceder o despertar da razão e do juízo e o desenvolvimento das faculdades superiores da memória e da imaginação. Tudo isso se origina da satisfação dos desejos. A experiência é a lei da vida, a lei do crescimento. Sem acumular experiências de todos os tipos, ele não chegará a saber que vive num mundo submetido à Lei. São duas as maneiras por que a lei acha de se impor aos homens: o prazer, quando a lei é observada, e a dor, quando a lei .é contrariada. Se nesse estágio primitivo os homens não passassem por toda a sorte de experiências, como chegariam eles a conhecer a Lei? Como poderiam chegar a discriminar o que é bom do que é ruim sem que tivessem experimentado ambos, tanto o bem como o mal? Um universo jamais chegaria a existir se não fosse pelos opostos, e estes, em  determinado  estágio,   manifestam-se  para a consciência sob a forma de bem e mal. Não se pode conhecer a luz sem a treva, o movimento sem o repouso, o prazer sem a dor; da mesma forma, não se chega a conhecer o bem que é a harmonia com a Lei sem conhecer o mal que é a discordância com ela. O bem e o mal são opostos que caracterizam   um  período  mais  avançado  da  evolução humana, e a menos que experimente ambos o homem não se tornará consciente da diferença existente entre um e outro.

Ocorre, então, uma mudança. O homem desenvolveu  um  certo poder de discriminação.  Inteiramente abandonado a si mesmo, ele chegará com o tempo a saber que certas coisas o favorecem, que certas coisas o fortalecem, que certas coisas animam a sua existência, como também  que  outras coisas o enfraquecem e diminuem a  sua  existência.   A  experiência o ensinará tudo  isso. Entregue   unicamente   ao   aprendizado   da   experiência, ele chegará a distinguir o bem e o mal, a identificar as sensações agradáveis que favorecem a vida com o bem e as sensações desagradáveis que diminuem a vida com o mal, até concluir que toda felicidade e crescimento se originam da obediência à Lei. Mas essa inteligência recém-desperta ainda levará muito tempo para comparar entre si as experiências de dor e de prazer e as experiências confusas em que  aquilo que a princípio proporcionou prazer acaba, pelo excesso, por redundar em dor, e então deduzir delas o princípio da lei. Será preciso muito tempo ainda para que ele passe por inúmeras experiências e deduza delas a idéia de que tal coisa é boa, tal coisa é má. Mas ele não é deixado sem ajuda para fazer essa dedução. E is que chegam a ele, de mundos do passado, Inteligências mais evoluídas que a sua, Mestres que vêm auxiliar a sua evolução, orientar o seu crescimento, dizer-lhe de uma lei capaz de conduzir mais rapidamente a sua evolução, aumentar a sua felicidade, a sua inteligência e a sua força. Na verdade, a revelação que provém da boca de um Mestre apressa a evolução do homem, ao invés de deixá-la entregue aos lentos ensinamentos da experiência, pois a expressão da lei, vinda da boca de um superior, destina-se a auxiliar o seu crescimento.

O Mestre surge e diz a essa inteligência nascente:

"Se matares aquele homem, estarás cometendo um ato que eu  proíbo por autoridade divina. Este ato é mau. Ele trará a desgraça". O Mestre diz: "É um bem socorrer o faminto; aquele homem faminto é teu irmão; dê-lhe de comer; não deixe que ele passe fome; reparta com ele o que possuis. Este ato é bom, e se obedeceres a essa lei, somente o bem ocorrerá a ti". Recompensas associadas aos atos são oferecidas para atrair a inteligência nascente para o bem, castigos e ameaças para afastá-la, do mal. A prosperidade terrestre está associada à obediência da lei, a desgraça terrestre à desobediência da lei. Esta proclamação contida na lei, ou seja, de que a desgraça segue-se à desobediência da lei e a felicidade ao seu cumprimento, estimula a inteligência nascente. Se alguém desrespeita a lei, o castigo sobrevêm, e com ele o sofrimento; diz a pessoa, então: "O Mestre havia me advertido". A recordação de uma ordem comprovada pela experiência produz sobre a consciência um efeito muito mais forte e rápido do que teria produzido a experiência apenas, sem a lei revelada. A proclamação disso que os sábios denominam os princípios fundamentais da moral, a saber, que certa espécie de atos retardam a evolução e outra espécie de atos apressam-na, essa proclamação atua como um grande estímulo para a inteligência.

Se um homem se recusa a obedecer a lei proclamada, então só lhe restará o árduo aprendizado da experiência. Se ele disser: "Quero ter este objeto, embora a lei o proíba", então só lhe restam os ríspidos ensinamentos da dor, e o açoite do sofrimento ensinar-lhe-á a lição que ele não quis aprender dos lábios do amor.

Isso é bastante freqüente em nossos dias. Quantas vezes um jovem convencido e inclinado à polêmica deixa de ouvir a lei, deixa de ouvir os mais experientes, deixa de dar valor às lições do passado? O desejo supera a inteligência. Seu pai tem o coração amargurado. "Meu filho se deixou arrastar pelo vício", diz ele; "meu filho está seguindo o caminho do mal. Eu lhe ensinei a se comportar bem, mas veja, ele se transformou num mentiroso; meu coração está dilacerado por causa de meu filho". Mas Ishvara, Pai mais terno que todos os pais da terra, tem paciência, pois está presente tanto no filho como no pai. Ele está no filho e o ensina da única maneira por que esta alma consente em aprender. Da autoridade ou da experiência ele nada aprenderia. Custe o que custar, o desejo do mal que impede a sua evolução deverá ser extirpado dele. Se se nega a aprender pelo bem, que aprenda então pela dor. Que aprenda pela experiência, mergulhando no vício para experimentar em seguida a dor amarga que advém por ter pisoteado a lei. Não há pressa; ele aprenderá a lição com toda a certeza, embora dolorosamente. Deus está presente nele e mesmo Ele deixa que prossiga por este caminho; mais ainda, chega até mesmo a alargar o caminho pelo qual ele deverá passar; diante da insistência do jovem, Deus replica: "Meu filho, se não queres me ouvir, sigas o teu próprio caminho e aprendas a tua lição do fogo da agonia e da amargura da degradação. Ainda assim estarei contigo, velando por ti e por teus atos, porque sou o que cumpre a lei e o pai de tua vida. Aprenderás no limbo da degradação essa suspensão do desejo que não quiseste aprender com a sabedoria e o amor". É por isso que Ele diz no Gita: "Sou a fraude do trapaceiro". Pois ele está sempre a trabalhar pacientemente em vista do glorioso fim, por vias tortuosas se nos recusamos ao reto caminho. Incapazes de compreender essa infinita compaixão, nós O interpretamos mal, mas Ele prossegue a sua obra com a paciência da eternidade, a fim de que o desejo possa ser completamente extinto e o Seu filho venha a ser tão perfeito como o  seu Pai nos céus.    

Consideremos o estágio seguinte. Existem algumas grandes leis do crescimento que são gerais. Aprendemos a considerar certas coisas como certas e outras como erradas! Toda nação possui os seus próprios critérios morais. Somente uns poucos sabem como estes critérios se formaram e onde eles se mostram falhos. Para os casos mais comuns, estes critérios são razoavelmente válidos. A experiência dos povos levou à descoberta, orientada pela lei, de que algumas ações retardam a evolução, ao passo que outras aceleram-nas. A grande lei da evolução metódica que segue-se aos estágios iniciais é a lei das quatro fases sucessivas do desenvolvimento posterior do homem. Ela intervém após ter o indivíduo atingido um certo ponto, após ter passado pelo aprendizado mais elementar. Esta lei pode ser encontrada em todas as nações num dado momento da evolução, mas foi a índia antiga que a proclamou como lei definitiva da vida evolutiva, como seqüência ordenada para o crescimento da alma, como o princípio subjacente por meio do qual o Dharma pode ser entendido e observado. O Dharma, recordemos, compreende dois elementos: a natureza interior e o ponto por ela alcançado, mais a lei de seu crescimento para o estágio seguinte. A revelação do Dharma ocorre para todos os homens. O primeiro Dharma é o do serviço. Pouco importa o país em que as almas tenham nascido, do momento em que elas superam os primeiros estágios a sua natureza interior exige a disciplina do serviço, sendo através do serviço que elas deverão aprender as qualidades necessárias ao crescimento no estágio seguinte. No estágio em questão, a faculdade de agir com independência é bastante limitada. Nesse estágio relativamente pouco adiantado, há uma tendência maior em ceder ao impulso externo do que manifestar um juízo sólido e preparar um determinado caminho a partir de dentro. Nesta classe, podemos contar todos aqueles que pertencem ao tipo do servidor. Recordemos as sábias palavras de Bhishma, quando diz que se as características de um Brahmana são encontradas em um Shudra e não são encontradas em um Brahmana, então esse Brahmana não é um Brahmana e esse Shudra não é um Shudra. Em outras palavras, as características da natureza interior distinguem o estágio de crescimento de uma alma e a identificam como pertencendo a uma ou outra das grandes divisões naturais. Quando a faculdade de iniciativa é reduzida, quando o juízo ainda não tem solidez, quando a razão é pobre e pouco desenvolvida, quando o Eu não tem ciência de seu destino elevado, quando ele é movido sobretudo pelo desejo, quando o seu crescimento está ainda condicionado pela satisfação da maioria, se não de todos os desejos, o Dharma desse indivíduo é o serviço e somente pelo seu cumprimento é que ele poderá seguir a lei de crescimento:que lhe possibilitará alcançar a perfeição. Tal indivíduo é um Shudra, a despeito dos nomes que lhe são dados nos mais diversos países. Na antiga índia, as almas que apresentavam" características dessa espécie nasciam em classes conforme às suas necessidades, pois Devas presidia ao seu nascimento. Na era presente, entretanto, reina a confusão.

Qual é a lei de crescimento para esse estágio? Obediência, devoção, fidelidade. E essa a lei de crescimento para esse estágio. Obediência, pois o juízo não se acha ainda desenvolvido. Aquele cujo Dharma é o serviço tem de obedecer cegamente à pessoa a quem presta seus serviços. Não lhe cabe discutir as ordens superiores, nem verificar se elas são ou não sábias. Ele recebeu uma ordem para fazer uma determinada coisa e o seu Dharma é a obediência, única maneira pela qual ele será capaz de aprender. As pessoas hesitam diante deste preceito, mas ele é verdadeiro. Darei um exemplo que lhes será particularmente tocante — aquele de um exército, de um soldado raso sob as ordens de um Capitão. Se todos os soldados rasos submetessem ao seu próprio julgamento as ordens recebidas do General, se cada um deles dissesse: "Isso não é lá muito correto, pois a meu ver é aqui o lugar em que posso ser mais útil", o que seria do exército? O soldado raso seria fuzilado se, não obedecesse, pois o seu dever é a obediência. Quando o nosso juízo é ainda inseguro, quando somos movidos sobretudo por impulsos externos, quando não conseguimos nos sentir felizes sem tumulto, barulho e grita à nossa volta, é porque o nosso Dharma é o do serviço, onde quer que tenhamos nascido, e podemos nos dar por felizes se o nosso karma nos propiciar as condições necessárias para que a disciplina nos forme.

Assim, o indivíduo aprende a se preparar para o estágio seguinte. E o dever de todos aqueles que detêm a autoridade é lembrar que o Dharma de um Shudra somente é cumprido quando ele se mostra obediente e fiel ao seu senhor, e não esperar que ele, ainda nessa etapa da evolução, demonstre virtudes mais elevadas. Exigir-lhe serenidade em meio ao sofrimento, pureza de intenções e poder de suportar as privações sem queixar seria exigir demais; pois se nós mesmos na maioria das vezes não demonstramos tais qualidades, como esperar encontrá-las naqueles que pertencem à classe que chamamos inferior? E dever do superior manifestar virtudes elevadas, mas ele não tem direito algum de exigi-las de seus subordinados. Se o servidor dá provas de fidelidade e obediência, seu Dharma pode ser considerado como tendo sido perfeitamente cumprido e as suas outras faltas não devem ser punidas, mas antes delicadamente apontadas pelo mestre, que assim fazendo estará educando essa alma mais jovem, pois a alma, quando criança, deve ser docemente conduzida pela estrada e não ter o seu crescimento interrompido por um tratamento severo, como geralmente ocorre. A alma, então, tendo aprendido essa lição em muitos renascimentos, mostrou-se obediente à lei do crescimento e, por ter seguido o seu próprio Dharma, aproxima-se do estágio seguinte, no qual aprenderá pela primeira vez a se servir de seus poderes com o fim de adquirir riqueza. O Dharma dessa alma é, pois, desenvolver todas as qualidades que a essa altura se apresentam maduras para a evolução, qualidades que se manifestam ao se conduzir a vida de acordo com as exigências da natureza interior, isto é, assumindo uma das ocupações que o estágio em questão solicita, estágio em que a acumulação de riqueza é considerada um mérito. Pois em qualquer parte do mundo, o Dharma de um Vaishya é desenvolver certas faculdades. A faculdade da justiça, a equidade entre um homem e outro, o não se deixar levar pelo mero apelo do sentimento, o desenvolvimento de qualidades como a astúcia, a sagacidade e o justo equilíbrio entre deveres conflitantes, o pagamento justo pelo negócio justo, a agudeza de percepção, a frugalidade, a ausência de desperdício e extravagância, a cobrança a cada servidor do serviço que lhe cabe, o pagamento de salários justos, não mais do que justos porém — são estas as características necessárias ao seu desenvolvimento posterior. Para o Vaishya, é um mérito ser frugal, recusar-se a pagar mais do que deve, insistir em uma transação justa e correta. Tudo isso contribui para despertar as qualidades necessárias e capazes de conduzir à perfeição futura. Pode ser que nos estágios iniciais elas sejam às vezes desagradáveis, mas consideradas de um ponto de vista superior, elas constituem o Dharma de um determinado indivíduo, e se este não se cumpre sobrevirão defeitos de caráter que mais tarde prejudicarão a sua evolução. A liberalidade é com toda a certeza a lei que regula o seu crescimento ulterior, mas não a liberalidade da negligência ou da generosidade afetada. Ele deve acumular riquezas através da prática da moderação e do rigor, para então empregá-las em objetivos nobres, em pensões aos sábios, aplicá-las em empresas sérias e calculadas que visem ao bem público. Acumular com energia e perspicácia e gastar com liberalidade e cuidadosa discriminação, eis o Dharma de um Vaishya, a marca de sua natureza e a lei de seu crescimento posterior.

Isso nos conduz ao próximo estágio, aquele dos soberanos e guerreiros, das batalhas e combates, em que a natureza interior se manifesta combativa, agressiva, aguerrida, firme em seu posto e pronta a assegurar a cada um o gozo de seus direitos. A coragem, o destemor, a esplêndida generosidade, o sacrifício da vida na defesa dos fracos e no cumprimento do próprio dever — tal é o Dharma de um Kshattriya. É seu dever proteger o que lhe foi confiado de qualquer agressão exterior. Isso pode até mesmo custar-lhe a vida, mas jamais o deterá. Ele deve cumprir o seu dever. Proteger, zelar, eis a sua função. A sua força deve ser como uma barreira entre os fracos e os opressores, entre os desamparados e os que querem pisá-los. Para ele, nada mais correto do que fazer a guerra e lutar na selva contra as feras. Como não compreendemos o que é a evolução e a lei do crescimento, pode ser que nos espantemos diante dos horrores da guerra. Mas o grande Rishis, que assim dispôs, sabia que uma alma débil jamais alcança a perfeição. Não podemos nos tornar fortes se não tivermos coragem, e coragem e firmeza não se adquirem sem que nos defrontemos com o perigo, sem que achemos em nós a disposição de renunciar à vida quando o dever exige o sacrifício.

O falso moralista, sentimental e suscetível,.recusa esse ensinamento. Esquece-se, porém, de que cm todas as nações há almas que têm necessidade de um tal adestramento e cuja evolução posterior depende do sucesso alcançado nessa fase. Volto a invocar Bhishma, a personificação do Dharma, e recordo o que ele disse, que é dever do Kshattriya imolar até mesmo milhares de inimigos, caso seu dever de proteção assim exigir. A guerra é horrível, seus combates impressionantes, os nossos corações protestam contra ela e recuamos ante o aflitivo espetáculo de corpos mutilados e despedaçados. Isso se deve, em grande parte, ao fato de sermos inteiramente ludibriados pela ilusão da forma. O corpo tem como única função tornar possível o desenvolvimento da vida que há em seu interior. Esta, no entanto, a partir do momento em que tenha aproveitado tudo o que esse corpo lhe pode proporcionar, fará bem em deixá-lo ir, em deixar a alma livre a fim de que possa assumir um outro corpo que lhe possibilitará desenvolver faculdades mais elevadas. Não há como apreendermos a Maya do Senhor. Estes corpos que são os nossos podem perecer de tempos em tempos, mas toda morte é ressurreição para uma existência superior. O corpo não é, propriamente, mais do que uma vestimenta com que se cobre a alma, tanto assim que sábio algum o desejaria eterno. Cobrimos nossos filhos, quando pequenos, com uma roupinha miúda, a qual trocamos à medida que crescem. Será que chegaríamos, no entanto, a lhes dar roupas de ferro e assim coibir o seu crescimento? Assim também, o corpo é a nossa vestimenta. Será preciso que ele seja de ferro para que jamais pereça? Não terá a alma necessidade de um novo corpo a fim de aprimorar o seu crescimento? Deixemos que o corpo se vá. E esta a dura lição que o Kshattriya aprende ao renunciar à existência corpórea, renúncia esta que possibilitará à alma adquirir a faculdade de auto-sacrifício, a resignação, a firmeza, a coragem, a habilidade, a consagração a um ideal, a lealdade a uma causa, e em troca de tudo isso o Kshattriya cede alegremente o seu corpo, e a sua alma ascende em triunfo e se prepara para uma existência mais sublime.

Segue-se, então, o último estágio, o estágio do ensinamento. O Dharma desse estágio é ensinar. A alma deve ter assimilado todas as experiências inferiores antes que possa ensinar. Se ela não tiver passado por todos os estágios precedentes e não tiver alcançado a sabedoria através da obediência, da aplicação e da luta, como poderíamos chegar a ensinar? O indivíduo atingiu aquele estágio da evolução em que a expansão espontânea de sua natureza interior o impele a ensinar seus irmãos mais ignorantes. Estas qualidades não são artificiais. São qualidades inatas, que se manifestam onde quer que existam. Um Brahma não é um Brahma se o seu Dharma não o torna um mestre. Ele adquiriu conhecimentos e teve um nascimento propício para vir a ser mestre.

A lei do seu crescimento é o conhecimento, a piedade, o perdão, a amizade por todas as criaturas. Como mudou o seu Dharma! Mas ele não poderia ter se tornado amigo de todas as criaturas se ele não tivesse antes aprendido a renunciar à sua vida quando o dever o chamou, sendo que até mesmo a própria guerra contribuiu para que o Kshattriya se tornasse, numa etapa posterior, amigo de todas as criaturas. Qual é a lei de crescimento de um Brahmana? Jamais pecar. Jamais perder o autocontrole. Jamais se mostrar precipitado. Mostrar-se sempre doce, pois do contrário ele estará negando o seu Dharma. Ser completamente puro. Viver sempre de   maneira   digna.   Distanciar-se   das  coisas  mundanas, se  estas  exercem  alguma  influência  sobre si.  Será que estou a proclamar um ideal  impossível? Não faço mais do  que enunciar a lei como a enunciaram os Grandes, não passsando as minhas palavras de um eco enfraquecido das suas. Foi a própria lei que determinou este ideal. Quem se atreverá a revogá-la? Se o próprio Shri Krishna o proclamou como sendo o ideal do Brahmana, este ideal também, deve ser a lei do seu crescimento, sendo a finalidade deste a liberação. Pois ele próprio carrega a liberdade,   faltando-lhe demonstrar as qualidades adquiridas e  seguir o  sublime  ideal  de  seu  próprio  Dharma para torná-la  uma  realidade.  Somente cumprindo estas condições é que ele poderá ostentar o nome de Brahmana. Este ideal é de tal forma maravilhoso, que todos os  homens sérios e inteligentes aspiram alcançá-lo. Mas a sabedoria intervém e diz: "Sim, ele será teu, mas terás que merecê-lo.  Deverás crescer e trabalhar; em verdade, ele será teu, mas não antes que tenhas pago seu preço". Ë  importante, para o nosso próprio crescimento e para o crescimento de todas as nações, que esta distinção entre os Dharmas seja entendida como dependente do estágio da   evolução,   e   que   sejamos capazes  de  reconhecer o nosso  próprio  Dharma  a  partir das características que distinguimos em nossa natureza. Se apresentamos a uma alma despreparada  um   ideal  que,  de  tão sublime, não chega sequer a motivá-la, estamos impedindo a sua evolução. Se apresentamos a um homem rústico o ideal de um Brahmana,  estamos a lhe oferecer um  ideal  impossível, em razão do quê ele permanecerá indiferente. Quando apresentamos a um homem algo que se encontra muito além das suas possibilidades, ele nos achará insensatos, pois o incentivamos a realizar aquilo que ele não tem condições de realizar; lhe fornecemos, irrefletidamente, móveis incapazes de motivá-lo. Mais sábios eram os mestres de antigamente. Ofereciam às crianças primeiramente guloseimas e somente em seguida os ensinamentos mais difíceis. Nós, porém, nos achamos tão espertos que nos dirigimos ao pior dos pecadores com argumentos capazes de sensibilizar somente o melhor dos santos, e, assim, em vez de favorecer, impedimos a sua evolução. Situemos tão alto quanto possamos o nosso próprio ideal, sem no entanto impô-lo ao nosso irmão, que este pode ter uma lei de crescimento inteiramente diversa da nossa. Aprendamos a tolerância capaz de ajudar os homens a fazerem por si mesmos o que é melhor para eles, o que a sua natureza lhes dita fazer. Deixando-os entregues a si próprios, ajudemo-los. Aprendamos essa tolerância que não é repelida por ninguém, por mais pecador, e que enxerga em cada um dos homens uma divindade em ação e se coloca ao seu lado para ajudá-lo. Ao invés de nos retirarmos para uma torre de marfim espiritual, ao invés de pregarmos uma doutrina de auto-sacrifício inteiramente ? além,dos limites de sua compreensão, usemos, para educar-lhe a alma, o seu egoísmo superior contra o inferior. Não se diga ao pobre de espírito que se ele não se mostrar trabalhador estará traindo o seu ideal; diga-se antes: "Eis aí tua esposa; tu amas esta mulher; ela está passando fome. Que te ponhas a trabalhar e lhe dê o que comer". Através desse pretexto, certamente egoísta, contribuímos mais para soerguer esse homem do que se ficássemos a dissertar para ele acerca de Brahma, do imponderável e do incondicionado. Aprendamos o significado do Dharma e seremos úteis ao mundo.

Não tenciono diminuir em nada o seu próprio ideal; não se pode almejar tão alto. O simples fato de que podem concebê-lo é uma garantia de que poderão alcançá-lo, mas nem por isso ele terá de ser o mesmo que o de teu irmão mais jovem e menos experiente. Há que se desejar o que de mais sublime se possa imaginar e amar. Ao fazê-lo, entretanto, é preciso levar em conta tanto os meios como os fins, nossas faculdades tanto como as nossas aspirações. Nossas aspirações devem ser as mais elevadas. Elas serão germes de novas faculdades na existência futura que nos aguarda. Tendo sempre algo de elevado como ideal, nos aproximaremos dele e o que hoje desejarmos será o que amanhã seremos. Mas é preciso que saibamos a tolerância do conhecimento e a paciência, que é divina. Tudo o que está no seu próprio lugar está no lugar certo. À medida que a natureza superior se desenvolve, pode-se recorrer às qualidades de auto-sacrifício, pureza e autodevoção total, com a vontade constantemente fixada em Deus. É esse o ideal que buscam os homens superiores. Aproximemo-nos dele aos poucos, a fim de que não percamos de vista a nossa meta.

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