P: Tenho escutado falar muito sobre essa constituição do homem "interno" - como vocês a chamam — mas nunca pude entendê-la.
T: Seguramente é "confusa" e muito difícil de entendê-la corretamente e saber distinguir entre os diferentes aspectos que chamamos de os "princípios" do Ego real. E é mais ainda, quando se pensa que existe uma notável diferença entre as várias escolas orientais, com relação à enumeração desses princípios, embora a base da doutrina seja idêntica.
P: Por acaso está usando como exemplo os vedantinos, que reduzem os sete princípios de que vocês falam a apenas cinco?
T: Realmente eles fazem isto; mas, sem querer discutir este ponto com um vedantino instruído, posso dizer, como opinião minha particular, que têm um motivo claro e evidente para agir assim. Para eles, o que se chama o homem, é unicamente esse conjunto espiritual que consiste em vários aspectos mentais, não merecendo o corpo físico, segundo eles, senão o mais profundo desprezo e sendo uma pura ilusão. E a Vedanta não é a única filosofia que o encara desse modo. Lao-Tsé em seu Tao-te-King, apenas menciona cinco princípios, pois, da mesma forma que os vedantinos, deixa de incluir dois princípios que são o espírito (Atmã) e o corpo físico, a que chama "o cadáver". A escola Taraka Raja Yoga também só reconhece três princípios, mas na realidade, seu Sthulopadhi, ou corpo físico, em estado de vigília consciente; seu Sukshmopadhi, o mesmo corpo em Svapna, ou estado de sonho, e seu Karanopadhi, "corpo causal", o que passa de uma encarnação a outra, são todos duais em seus aspectos, e desta maneira formam seis. Somando-se a estes Atmã, o princípio divino impessoal, ou o elemento imortal no homem, indistinguível do Espírito Universal, e teremos os mesmos sete princípios[1]. Eles fazem bem em ater-se à sua divisão, assim como nós conservamos a nossa.
P: Esta divisão está parecendo quase a mesma estabelecida pelos místicos cristãos: corpo, alma e espírito.
T: Exatamente a mesma. Facilmente poderíamos fazer do corpo o veículo do "duplo vital", e deste, o veículo da Vida, ou Prana; de Kama-Rupa, ou alma (animal), o da inteligência superior e inferior, e fazer seis princípios, todos eles coroados pelo espírito uno imortal. Em Ocultismo cada troca qualificativa no estado de nossa consciência dá ao homem um novo aspecto, e, se prevalece e chega a fazer parte do Ego vivente e ativo, deve receber (e recebe) um nome especial para distinguir entre o homem nesse estado particular, e esse mesmo homem quando se encontra em estado diferente.
P: É precisamente isto que é difícil de entender.
T: Pois a mim, ao contrário, parece muito fácil desde que se compreenda a idéia essencial, isto é, que o homem trabalha num ou noutro plano de consciência, em estreita conformidade com sua condição mental e espiritual. Mas é tão grande o materialismo de nossa época, que parece que quanto mais explicamos, menos as pessoas são capazes de entender. Dividi o ser terrestre chamado homem em três aspectos principais, porque, a menos que o considerem como um simples animal, não se pode fazê-lo por menos; considere-se seu corpo objetivo e o princípio reflexivo que está nele (que apenas é um pouco mais elevado que o elemento instintivo no animal), ou alma vital consciente; e, por último, aquilo que o coloca tão incomensuravelmente acima do animal: a alma que raciocina, ou "espírito". Se tomarmos esses três grupos ou entidades representativas, e as subdividirmos conforme ensina a Doutrina Secreta, o que resulta?
Antes de tudo, o espírito (no sentido do Absoluto, o Todo indivisível), ou Atma. Como este não pode ser localizado nem limitado em filosofia, sendo simplesmente aquilo que é na Eternidade, e que não pode estar ausente do ponto geométrico ou matemático menor do universo, da matéria ou substância, não deveria, de maneira nenhuma, chamar-se princípio "humano". Em metafísica, é tudo o mais: aquele ponto que a Mônada humana e seu veículo, o homem, ocupam no espaço durante o período de cada vida. Este ponto é tão imaginário quanto o próprio homem, e na realidade é uma ilusão, ou maya; mas, para nós, assim como para os demais Egos pessoais, somos uma realidade durante esse momento de ilusão chamado vida, pois devemos levar em conta a nós mesmos, pelo menos em nossa imaginação. Com o objetivo de tornar mais compreensível para a inteligência que começa a estudar o Ocultismo e a solução do ABC do mistério do homem, o Ocultismo chama a esse sétimo princípio de síntese do sexto, e lhe dá por veículo a alma espiritual, Buddhi. Pois bem: este último encerra um mistério que jamais é revelado a ninguém, exceto aos cheias ligados por juramento, ou àqueles em quem se pode confiar sem nenhum temor. É evidente que se isto pudesse ser dito, haveria menos confusão; mas como está diretamente relacionado com o poder da projeção do duplo pessoal e da vontade, e como este dom - - como o "anel de Gijes" - resultaria fatal para o homem em geral e para o possuidor dessa faculdade em particular, ela é ocultada cuidadosamente. Mas, vamos voltar aos "princípios". Essa alma divina, ou Buddhi, é o veículo do Espírito.
Os dois unidos são um só, impessoal e sem nenhum atributo (neste plano), e formam dois "princípios" espirituais. Se formos considerar a alma humana, manas ou mens, todos hão de convir que a inteligência do homem é pelo menos dual, isto é, o homem de inteligência superior, dificilmente pode confundir-se com o homem inferior; o homem muito intelectual e espiritual acha-se separado por um abismo do homem obtuso, torpe e material, talvez de tendências animais.
P: Mas por que não se representa o homem por dois princípios, ou dois aspectos?
T: Cada homem traz em si esses dois princípios, um mais ativo que o outro, e somente em casos raros um dos dois se vê paralisado por completo, quer dizer, em seu crescimento ou desenvolvimento, pela força e predomínio do outro aspecto, em qualquer direção. Estes são, pois, o que chamamos os dois princípios ou aspectos de manas, o superior e o inferior; o primeiro, o manas superior ou Ego consciente e reflexivo gravita até a alma espiritual (Buddhi); e o último, ou seu princípio instintivo, é atraído até Kama, centro dos desejos animais e das paixões no homem. Deste modo demonstramos quatro "princípios"; sendo os três últimos: 1) o "duplo" que temos chamado alma proteu -- mutável ou plástica; 2) o princípio de vida; e 3) o corpo físico.
Nenhum fisiólogo ou biólogo aceitará esses princípios, nem tão pouco os compreenderá. E talvez por isso nenhum deles compreendeu até agora as funções do baço, o veículo físico ou duplo proteu, ou a de certo órgão situado no lado direito do homem, centro dos desejos acima mencionados; nem sequer sabe nada sobre a glândula pineal, que descreve como uma glândula que contém um pouco de areia, quando, na verdade, é o próprio centro da mais elevada e divina consciência do homem, sua inteligência onisciente espiritual, que abrange tudo. E isto demonstrará ainda mais claramente, que não inventamos esses sete princípios, e nem eles são novos no mundo da filosofia, como facilmente podemos provar.
P: Mas, de acordo com sua crença, o que é afinal que se reencarna?
T: O Ego Espiritual pensante, o princípio permanente no homem, aquilo que é o centro de manas. O homem individual ou divino, não é Atmã, nem tampouco Atma-Buddhi, considerado como a Mônada dual; porque Atmã é o Todo Universal e se converte no Eu Supremo do homem somente em conjunção com Buddhi, seu veículo, que une à individualidade (o homem divino). Buddhi-manas é o que os vedantinos chamam o corpo causai (os quinto e sexto princípios unidos), que é a consciência que O enlaça a cada personalidade que vive na terra. Sendo a alma um termo genérico, há nos homens três aspectos de alma: o terrestre ou animal; a alma humana, e a Alma Espiritual; e todas elas são uma só: alma. sob três aspectos. Pois bem: do primeiro aspecto, nada sobra depois da morte; do segundo (nous ou manas) somente sobrevive sua essência divina se esta ficou sem mancha; enquanto que o terceiro, além de ser imortal, converte-se conscientemente em divino, pela assimilação de manas superior. Para maior clareza, precisamos dizer, antes de tudo, algumas palavras sobre a reencarnação.
P: Isso é bom, porque essa doutrina é a que seus inimigos combatem com maior energia e empenho.
T: Você se refere aos espíritas? Eu sei, e muitas são as objeções absurdas tecidas laboriosamente por eles, que achamos nas páginas da revista Light (Luz). Alguns são tão grosseiros e malévolos que nada os detém. Ultimamente um deles encontrou uma contradição que discute gravemente em uma carta dirigida àquele periódico, em dois pontos tirados das conferências de Sinnett: descobriu, nas duas frases seguintes, esta importante contradição:
"Os regressos prematuros à vida terrestre, quando isto ocorre, podem ser em virtude de alguma complicação kármica..."; e "não existe acidente no supremo ato de dirigir a justiça divina da evolução". Tão profundo pensador por certo encontraria uma contradição na lei da gravidade, se um homem estendesse a mão para impedir que uma pedra, em sua caída, arrebentasse a cabeça de uma criança.