O Perdão dos Pecados

Enviado por Estante Virtual em sab, 17/12/2011 - 20:03

"Eu creio... no perdão dos pecados". "Eu reconheço um batismo para a remissão dos pecados". As palavras saem facilmente da boca dos adorantes em toda igreja Cristã em todo o mundo, quando repetem os familiares credos dos Apóstolos e o Niceno. Entre os ditos de Jesus recortem amiúde as palavras: "Teus pecados te são perdoados", e é digno de nota que esta frase constantemente acompanhe o exercício de Seus poderes curadores, e a libertação de moléstias físicas e morais é assinalada como simultânea. de fato, em uma ocasião Ele indicou a cura de um paralítico como sinal de que Ele tinha direito de declarar a um homem que seus pecados haviam sido perdoados (Lucas, V, 18-26). Assim também foi dito a respeito de uma mulher:

"Seus pecados, que são muitos, são perdoados, pois ela amou muito" (Lucas, VII, 47). No famoso tratado Gnóstico Pistis Sophia, o próprio propósito dos Mistérios é dito ser a remissão dos pecados. "Eles deve ter sido pecadores, devem ter caído em todos os pecados e iniqüidades do mundo, dos quais tenho vos falado, não obstante, se se converterem e se arrependerem, e tiverem feito a renúncia que eu acabei de descrever, dai-os aos mistérios do reino da luz; não mais os oculteis deles. Foi por causa do pecado que eu trouxe estes mistérios ao mundo, para a remissão de todos os pecados que eles tiverem cometido desde o início. Por isso eu vos disse antes: 'Eu não vim para chamar os justos'. Mas por isso eu trouxe os mistérios, para que os pecados de todos os homens sejam remidos, e eles sejam levados para o reino da luz. Pois estes mistérios são a dádiva do primeiro mistério da destruição dos pecados e iniqüidades de todos os pecadores' " (G.R.S.Mead, loc. cit., livro II, §§ 260-261).

Nestes Mistérios a remissão dos pecados se dá pelo batismo, como no reconhecimento do Credo Niceno. Jesus diz: "Ouvi novamente, para que eu possa falar-vos a palavra da verdade, de que tipo é o mistério do batismo que resgata dos pecados... Quando um homem recebeu os mistérios do batismo, aqueles mistérios se tornam um fogo poderoso, excessivamente impetuoso, sábio, que queima todos os pecados; eles entram na alma ocultamente e devoram todos os pecados que a falsificação espiritual implantou nela". E depois de descrever mais o processo de purificação, Jesus acrescenta: "Este é o modo pelo qual os mistérios do batismo resgatam do pecado e de toda a iniqüidade" (G.R.S.Mead, loc. cit., livro II, §§ 299-300).

De uma forma ou outra o "perdão dos pecados" aparece na maioria, senão em todas as religiões; e onde quer que haja este consenso de opiniões, podemos seguramente concluir, de acordo com os princípios já apresentados, que por trás existe algum fato da natureza. Acima de tudo, há uma resposta na natureza humana a esta idéia de que os pecados são perdoados; percebemos que uma pessoa sofre com a consciência de um mal cometido, e quando se limpam de seu passado e se livram das agitações do remorso, prosseguem com o coração alegre e os olhos resplandecentes, embora antes estivessem anuviados pelas trevas. Eles sentem como se um peso tivesse sido tirado de cima deles, um casaca removido. A sensação do pecado "desapareceu, e com ela o tormento da dor". Eles conhecem a primavera da alma, a palavra do poder que renova todas as coisas. Uma canção de agradecimento ressoa como efusão natural do coração, chega o tempo do canto dos pássaros, sentem "a alegria entre os Anjos". Esta experiência comum confunde uma pessoa quando passa por ela, ou a observa em outrem, e ela começa a se perguntar o que de fato ocorreu, o que produziu a mudança na consciência, cujos efeitos são tão manifestos.

Os pensadores modernos, que assimilaram integralmente a idéia das leis imutáveis por trás de todos os fenômenos, e que estudaram a atuação destas leis, são imediatamente inclinados a rejeitar toda e qualquer teoria de perdão dos pecados como sendo inconsistente com esta verdade fundamental, assim como o cientista, imbuído da idéia da inviolabilidade da lei, repele todo pensamento que é inconsistente com ela. E ambos estão certos em se basear na infalível ação da lei, pois a lei é apenas uma expressão da Natureza divina, na qual não existe variabilidade, nem sombra de desvio. Qualquer concepção sobre o perdão dos pecados que possamos adotar não deve contrapor-se com esta idéia fundamental, tão necessária para a ética como para a ciência física.

"A base ficaria fora do todo" se não pudéssemos nos fiar seguramente nos eternos braços da Boa Lei.

Prosseguindo em nossas investigações, somos confrontados com o fato de que os próprios Instrutores que são os que mais insistem na invariável ação da lei são também os que proclamam enfaticamente o perdão dos pecados. Certa vez Jesus disse: "De toda palavra vã que o homem pronunciar, deverá prestar contas no dia do juízo" (Mateus, XII, 36), e em outra: "Filho, ânimo, teus pecados te são perdoados" (Ibid., IX, 2). Também no Bhagavad-Gita lemos constantemente das obrigações da ação, que "o mundo é obrigado pela ação" (loc. cit., III, 9) e que um homem "recuperou as características de seu corpo antigo" (Ibid., VI, 43) e ainda é dito que "mesmo se o maior pecador me adorar, com coração indiviso, também ele deve ser contado entre os justos" (Ibid., IX, 30). Pareceria então que o que quer que se tencione significar nas Escrituras do mundo com a frase "o perdão dos pecados", isto não foi imaginado, por Aqueles que conhecem melhor a lei, para contradizer a seqüência inviolável de causa e efeito.

Se examinarmos mesmo a idéia mais crua do perdão dos pecados existente em nossos dias, descobrimos que o seu crente não quer dizer com ela que vá escapar das conseqüências dos pecados neste mundo; o bêbado, cujos pecados são perdoados no arrependimento, ainda é visto sofrer com os nervos abalados, digestão desequilibrada e com a falta de confiança demonstrada pelos outros em relação a ele. As declarações feitas a respeito do perdão, quando examinadas, são averiguadas se referir em última análise às relações entre o pecador arrependido e Deus, e às penalidades post-mortem associadas ao pecado não perdoado, dentro do credo do indivíduo, e não para escapar das conseqüências mundanas do pecado. A perda da fé na reencarnação e de uma visão sadia sobre a continuidade da vida, seja passada neste ou nos dois próximos mundo (vide cap. VIII) trouxe consigo várias incongruências e declarações indefensáveis, entre elas a blasfema e terrível idéia da tortura eterna da alma humana por pecados cometidos durante o breve período de uma vida passada na Terra. A fim de fugir deste pesadelo, os teólogos postularam um perdão que salvaria o pecador de seu terrível encarceramento no inferno eterno. Jamais se imaginou que ele livrasse a pessoa das conseqüências naturais dos maus atos neste mundo - exceto nas comunidades Protestantes modernas - nem foi estabelecido para libertá-la de prolongados sofrimentos purgatoriais, o resultado direto do pecado, depois da morte do corpo físico. A lei mantinha seu curso, tanto neste mundo como no purgatório, e em cada mundo a tristeza seguia as rodas do pecado, assim como as rodas seguem seu eixo. Era apenas a tortura eterna - que existia somente na imaginação turva do crente - que era anulada pelo perdão dos pecados, e podemos ir longe o bastante para sugerir que o dogmático, tendo postulado um inferno eterno como o resultado monstruoso de erros passageiros, sentiu-se compelido a providenciar uma via de escape para um destino incrível e injusto, e portanto postulou um perdão incrível e injusto. Esquemas elaborados pela especulação humana, sem levar em conta os fatos da vida, são propensos a abandonar o especulador em pântanos mentais, de onde ele só pode se safar se apontar sua mira para uma direção completamente oposta. Um inferno eterno supérfluo foi contrabalançado por um perdão supérfluo, e assim as escalas da justiça foram emparelhadas novamente. Deixando estas aberrações dos não iluminados, voltemos ao reino do fato e da razão correta.

Quando um homem cometeu uma ação má ele ligou-se a uma tristeza, pois a planta que nasce da semente do mal é sempre a tristeza. Pode ser dito, mesmo com mais precisão, que o pecado e a tristeza são os dois lados de um mesmo ato, e não dois eventos separados. Assim como todo objeto tem dois lados, um dos quais fica oculto atrás, fora da visão, enquanto o outro está virado para a frente e à vista, igualmente cada ato tem dois lados, que não podem ser vistos ao mesmo tempo neste mundo físico. Em outras palavras, o bem e a felicidade, o mal e a tristeza, são vistos como os dois lados da mesma coisa. Isto é o que se chama karma - um termo conveniente e agora largamente empregado, originalmente Sânscrito, expressando esta conexão ou identidade, significando literalmente "ação" - e o sofrimento é chamado como o resultado kármico do erro. O resultado, o "outro lado" pode não se seguir imediatamente, pode mesmo não se desencadear nesta encarnação atual, mas cedo ou tarde aparecerá e abraçará o pecador com seus braços de dor. Porém um resultado no mundo físico, um efeito experimentado através de nossa consciência física, é a culminação de uma causa desencadeada no passado; é o fruto colhido; nele uma força particular se torna manifesta e se exaure. Esta força esteve atuando fora, sobre a mente, antes que aparecesse no corpo. Sua manifestação aguda, seu aparecimento no mundo físico é o sinal da completude de seu curso (Esta é a causa da doçura e paciência amiúde percebida no doente que é de natureza muito pura. Ele aprendeu a lição do sofrimento, e não criam mais mau karma com a impaciência debaixo do resultado do karma ruim passado, o qual então se exaure). Se em tal momento o pecador, tendo esgotado o karma de seu pecado, entra em contato com um Sábio que possa ver o passado e o presente, o visível e o invisível, este Sábio poderá discernir a terminação do karma em questão, e tendo-se completado a sentença, pode declarar livre o cativo. Este exemplo parece ter sido dado na história do homem paralítico já citada, um caso típico de muitos outros. Uma disfunção física é a última expressão do mal cometido no passado; a ação mental e moral se completa, e o sofredor é levado - por intermédio de algum Anjo, como administrador da lei - à presença de um Ser capaz de liberar a doença física pela infusão de uma energia superior. Primeiro, o Iniciado declara que os pecados do homem foram perdoados, e então justifica esta percepção com a palavra de autoridade: "Ergue-te, toma teu leito, e vai para casa". Se nenhum Ser como Jesus estivesse presente ali, a doença passaria sob o toque restaurador da Natureza, sob uma força aplicada por inteligências angélicas invisíveis, que levam a cabo neste mundo as atuações da lei kármica; quando um grande Ser está atuando, esta força é de um poder mais impositivo, e as vibrações físicas são de imediato sintonizadas na harmonia que é saúde. Todo perdão dos pecados como este podem ser chamados de declaratórios; o karma é esgotado, e um "conhecedor do karma" declara o fato. A declaração traz um alívio à mente, semelhante ao alívio experimentado por um prisioneiro quando é dada a ordem de sua libertação, sendo esta ordem tão parte da lei como a sentença original; mas o alívio do homem que sabe assim da exaustão de um karma ruim é mais agudo, pois o próprio homem não poderia definir o termo de sua ação.

É notável que estas declarações de perdão são constantemente acopladas à declaração de que o sofredor demonstrou "fé", e que sem isto nada poderia ser feito, isto é, o verdadeiro agente do final do karma é o próprio pecador. No caso da "mulher que era pecadora", as duas declarações são conjugadas: "Teus pecados te são perdoados... Tua fé te salvou; ide em paz" (Lucas, VII, 48-50).

Esta "fé", é o despertar no homem de sua própria essência divina, procurando o oceano divino de uma essência semelhante á sua, e quando isso irrompe através da natureza inferior que o contém - assim como a água irrompe através dos torrões de terra que a recobrem - o poder assim liberado atua em toda a natureza, trazendo-a à harmonia consigo mesma. O homem só se torna cônscio disto quando a crosta kármica de mal é rompida por sua força, e aquela feliz consciência de um poder dentro de si mesmo, até então desconhecido, afirmando-se assim que o mau karma se esgota, é um grande fator na alegria, alívio e nova força que seguem ao sentimos que os pecados "foram perdoados", e que seus resultados são coisa ultrapassada.

E isto nos traz ao cerne do assunto - as mudanças que se efetuam na natureza interna de um homem, não reconhecidas por aquela parte de sua consciência que atua nos limites de seu cérebro, até que subitamente se impõe contra estes limites, vinda de aparentemente lugar nenhum, irrompendo "do nada", derramando-se de uma fonte desconhecida. Não admira que um homem, atônito com seu influxo - não sabendo nada dos mistérios de sua própria natureza, nada do "Deus interno" que é verdadeiramente ele mesmo – imagina vir de fora o que de fato vem de dentro, e, inconsciente de sua própria Divindade, imagina apenas Divindades no mundo externo a si mesmo. E esta concepção errônea é a mais fácil, porque o toque final, a vibração que destrói a concha aprisionadora, é freqüentemente a resposta da Divindade dentro de outro homem, ou dentro de algum ser super-humano, respondendo ao insistente apelo da Divindade aprisionada em si mesmo; ele às vezes reconhece a ajuda fraternal, mas não reconhece que ele mesmo, o grito de sua natureza interna, é que a chamou. Assim como uma explicação de alguém mais sábio do que nós pode tornar uma dificuldade intelectual clara em nossa mente, embora seja sempre nossa própria mente que, assim auxiliada, compreende a solução; assim como uma palavra encorajadora de alguém mais puro do que nós mesmos pode estimular-nos a um esforço moral que imaginássemos além de nosso poder, embora seja sempre nossa própria força que opere; do mesmo modo um Espírito mais elevado que o nosso, alguém mais consciente de sua própria Divindade, pode nos ajudar a desdobrar nossa própria energia divina, embora seja este mesmo desdobramento o que nos eleva a um plano superior. Somos todos obrigados por laços de ajuda fraterna para com aqueles acima de nós, e por que deveríamos nós, que tão amiúde nos encontramos em condições de ajudar em seu desenvolvimento almas menos avançadas do que nós mesmos, hesitaremos em admitir que podemos receber ajuda similar d'Aqueles acima de nós, e que nosso progresso pode ser tornado muito mais rápido com Sua ajuda? Porém entre as mudanças que ocorrem na natureza interna de um homem, desconhecidas de sua consciência inferior, estão aquelas que tem a ver com o desenvolvimento de sua vontade. O Ego, vislumbrando seu passado, avaliando seu resultado, sofrendo por seus erros, determina uma mudança de atitude, uma mudança de atividade. Enquanto seu veículo inferior está sujeito a seus impulsos anteriores, jogando-se me linhas de ação que o levam a colisões frontais com a lei, o Ego determina um curso oposto de conduta. Até então o Ego havia voltado sua face desejosa para o animal, os prazeres do mundo inferior o mantiveram acorrentado. Mas agora ele volta sua face para a verdadeira meta da evolução, e determina-se a trabalhar por alegrias mais elevadas. Ele vê que todo o mundo está evoluindo, e que se ele se colocar contra esta poderosa corrente ela o arrojará de lado, ferindo-o gravemente no processo; ele vê que se ele se colocar a favor dela, ela o levará em seu seio e o deixará no céu desejado.

Então ele resolve mudar de vida, e volta decididamente sobre seus passos, e mira o outro caminho. O Primeiro resultado do esforço de voltar sua natureza inferior para o curso alterado é muita aflição e perturbações. Os hábitos formados sob os impactos de antigas concepções resiste bravamente aos impulsos que fluem das novas, e se ergue um acerbo conflito. Gradualmente a consciência que opera no cérebro aceita a decisão feita nos planos superiores e então "se torna consciente do pecado" pelo próprio reconhecimento da lei. A sensação de erro se aprofunda, e o remorso se apodera da mente; são feitos esforços espasmódicos em direção à melhora, e, frustrados por antigos hábitos, falham repetidamente, até que o homem, assolado pela dor do passado, pelo desespero do presente, é jogado em um acabrunhamento desesperançado. Enfim, o sofrimento sempre crescente extrai do Ego um grito por socorro, respondido pelas profundezas internas de sua própria natureza, pelo Deus que está tanto dentro como fora dele, a Vida de sua vida.

Mas esta mudança de atividade significa que ele desvia sua face das sombras, que ele volta seu rosto para a luz. A luz esteve sempre lá, mas ele lhe dava as costas; agora ele vê o sol, e sua radiância encoraja seus olhos, e inunda seu ser de deleite. Seu coração estava fechado; agora ele se escancara, e o oceano de vida aflui, com maré cheia, inundando-o de alegria. Onda após onda de vida nova o ergue, e a felicidade da aurora o rodeia. Ele vê seu passado como passado, porque sua vontade se firmou a seguir um caminho superior, e ele pouco se amofina com os sofrimentos que o passado ainda pode lhe impor, uma vez que ele sabe que doravante não prosseguirá com tão amargo legado.

esta sensação de paz, de alegria, de liberdade, é o sentimento descrito como o resultado do perdão dos pecados. Os obstáculos erguidos pela natureza inferior entre o Deus interno e o Deus externo são derrubados, e aquela natureza mal reconhece que a mudança é em si mesma e não na Alma superior. Como uma criança, tendo largado da mão materna orientadora e escondido seu rosto contra a parede, pode fantasiar a si mesma sozinha e esquecida, até que, voltando-se com um grito, se encontra entre os braços protetores da mãe que jamais esteve mais do que um braço longe, do mesmo modo um homem rejeita com seu voluntarismo os braços escudantes da divina Mãe dos mundos, só para descobrir, quando volta seu rosto, que jamais esteve fora de seu escudo protetor, e que onde quer que possa ir aquele amor guardião ainda está em seu redor.

A chave para esta mudança no homem, que acarreta o "perdão", é dada no verso do Bhagavad-Gita já citado em parte: "Mesmo se o maior dos pecadores me adorar, com o coração indiviso, ele deve ser contado entre os justos, pois decidiu-se corretamente". Desta resolução correta segue-se o inevitável resultado: "Logo ele se torna obediente e se encaminha para a paz" (loc. cit., IX, 31). A essência do pecado está na asserção da vontade da parte contra a vontade do todo, do humano contra o Divino. Quando isto é alterado, quando o Ego coloca sua vontade separada em união com a vontade que trabalha para a evolução, então, no mundo onde querer é realizar, no mundo onde os efeitos são vistos tão presentes como as causas, o homem "é contado entre os justos"; os efeitos nos planos inferiores deve se seguir inevitavelmente; "logo ele se torna obediente" na ação, tendo já se tornado obediente na vontade.

Aqui nós julgamos pelas ações, as folhas mortas do passado; lá eles julgam pelas vontades, as sementes germinantes do futuro. Por isso Cristo sempre diz para os homens no mundo inferior: "Não julgueis" (Mateus, VII, 1).

Mesmo depois de a nova direção ser definitivamente seguida, e se tornado o hábito normal da vida, sobrevêm tempos de falha, mencionados no Pistis Sophia, quando Jesus é perguntado se um homem poderia novamente ser admitido nos Mistérios, depois de ter fracassado, se ele se arrepender. A resposta de Jesus é afirmativa, mas assinala que chega uma hora em que a readmissão está além do poder de tudo, exceto do Mistério mais elevado, que sempre perdoa. "Amen, amen, digo-vos, quem receber os mistérios do primeiro mistério, e então der as costas e transgredir até doze vezes, e então se arrepender doze vezes, oferecendo preces nos mistérios do primeiro mistério, será perdoado. Mas se ele transgredir mais de doze vezes, se der as costas e transgredir, não mais será perdoado de modo que possa voltar ao seu mistério, qualquer que seja. Para ele não há meios de arrependimento a menos que tenha recebido os mistérios do inefável, que tem compaixão todas as vezes e perdoa eternamente os pecados (loc. cit., livro II, § 305). Estas recuperações depois de falhas, nas quais "os pecados são perdoados", ocorrem na vida humana, especialmente nas fases mais elevadas da evolução. É oferecida uma oportunidade ao homem que, se aproveitada, lhe abriria novas possibilidades de crescimento. Se ele falha em aproveitá-la, é deslocado da posição que havia conseguido e que lhe possibilitara a oportunidade. Por algum tempo, para ele é bloqueado o progresso; ele deve dirigir todos os seus esforços redobrados para trilhar novamente o chão que já trilhou, para reconquistá-lo e garantir que pise em segurança onde antes escorregou. Só quando ele consegue isto ele ouvirá a gentil Voz a dizer-lhe que o passado está esgotado, a fraqueza se transformou em força, e que o portão está novamente aberto para ele passar. Aqui também o "perdão" é apenas a declaração, por uma autoridade capacitada, a respeito do real estado das coisas, a abertura da porta para o competente, e seu fechamento para o incompetente. Onde ocorreu um fracasso, com seu conseqüente sofrimento, esta declaração seria sentida como um "batismo para a remissão dos pecados", readmitindo o aspirante em um privilégio perdido por seus próprios atos; isto sem dúvida daria margem a sentimentos de alegria e paz, a um alívio do peso da tristeza, a um sentimento de que as cadeias do passado enfim se soltaram dos pés.

Uma verdade permanece, que jamais deveria ser esquecida: que estamos vivendo em meio a um oceano de luz, amor, felicidade, que nos rodeia todo o tempo, a Vida de Deus. Assim como o sol enche a Terra com sua radiância, igualmente aquela Luz ilumina tudo, só que aquele Sol jamais se põe em nenhuma parte dela. Nós bloqueamos aquela luz de nossa consciência por nosso egoísmo, nossa falta de sentimentos, nossa impureza, nossa intolerância, mas ela brilha sobre nós sempre imutável, banhando-nos de todos os lados, pressionando contra nossas paredes autoconstruídas com persistência gentil e poderosa. Quando a alma derruba estas paredes isolantes, a luz entra, e a alma encontra-se inundada de luz solar, respirando o bendito ar do Céu. "Pois o Filho do homem está no Céu", embora não o saibamos, e sua brisa refresca suas sobrancelhas se ele as descobrir ao seu sopro. Deus sempre respeita a individualidade humana, e não entrará em sua consciência antes que esta consciência se abra em boas-vindas; "Ouvi, eu estou à porta e bato" (Apocalipse, III, 20) é a atitude de toda Inteligência espiritual com relação à alma humana em desenvolvimento; esta espera de a porta se abrir não está baseada em falta de simpatia, mas em uma profunda sabedoria.

O homem não deve ser compelido; ele deve ser livre. Ele não é um escravo, mas um Deus em formação, e o crescimento não pode ser forçado, mas deve ser desejado a partir de dentro. Somente quando a vontade concorda, como ensina Giordano Bruno, Deus irá influenciar o homem, embora Ele esteja "presente em toda parte, e pronto para vir em auxílio de quem quer que se volte para Ele através de um ato de inteligência, e que se ofereça sem reservas com o amor da vontade" (Giordano Bruno, The heroic enthusiasts, vol. I, p. 133; trad. por L. Williamson). "A potência divina que existe em tudo não oferece nem recusa, exceto através da assimilação ou rejeição de alguém" (Ibid., vol II, pp. 27-28). "Mas entra rapidamente, como a luz solar, e se faz presente para quem quer que se volte para ela e se abra... as janelas são abertas, e o sol entra num instante, e neste caso ocorre de modo semelhante" (Ibid., pp. 102-103).

A sensação do "perdão", assim, é o sentimento que enche o coração de alegria quando a vontade é sintonizada na harmonia com o Divino, quando, tendo a alma aberto suas janelas, o brilho solar do amor e luz e felicidade penetra, quando a parte sente sua unidade com o todo, e a Vida Única vibra em cada veia. Esta é a nobre verdade que dá vitalidade até mesmo à mais crua concepção do "perdão dos pecados", que a torna muitas vezes, a despeito de sua incompletude intelectual, uma inspiração para uma vida pura espiritual. E esta é a verdade, como apresentada nos Mistérios Menores.

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