Natureza complexa de manas

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 20:40

P: Diga-me algo sobre a natureza de manas e sua relação com os skandhas do homem físico.

T: Essa natureza misteriosa, mutável, fora de todo alcance, quase confusa em suas correlações com os demais princípios, é muito difícil de compreender e mais ainda de explicar. Manas é um "princípio", e, sem dúvida, é uma "entidade" e individualidade, o Ego. É um "Deus" e, sem dúvida, está condenado a um interminável ciclo de encarnações, de cada uma das quais é tido por responsável, e a cada uma das quais tem de sofrer. Tudo isto parece tão contraditório como enigmático; e, no entanto, existem milhares de pessoas até mesmo na Europa, que compreendem tudo isto perfeitamente, porque concebem o Ego não só em sua integridade, com também em seus múltiplos aspectos. Enfim, para explicar-me de maneira compreensível, devo começar pelo princípio, tentando dar em poucas linhas a genealogia desse Ego.

Tratemos de imaginar um "espírito", um ser celestial — não importa que nome se lhe dê — divino em sua natureza essencial, mas não bastante puro para ser uno com o Todo, necessitando purificar sua natureza para conseguir alcançar esse objetivo. Só pode alcançá-lo passando individual e pessoalmente, isto é, espiritual e fisicamente, por toda experiência e sensação existentes no universo diferenciado. Por conseguinte, depois de haver adquirido aquela experiência nos reinos inferiores, havendo evoluído mais e mais na escala do Ser, tem que passar por todas as experiências dos planos humanos. Em sua própria essência é o Pensamento; portanto, em sua pluralidade toma o nome de Manasaputra, os "filhos da mente universal". A este Pensamento individualizado, nós, os teósofos, chamamos o verdadeiro Ego humano, a entidade pensante prisioneira em uma prisão de carne e osso. Seguramente é uma entidade espiritual, não-material; e essas entidades são os Egos que se encarnam animando a massa de matéria animal chamada humanidade, cujo nome é Manasaputra, e são as "mentes". Mas, uma vez prisioneiros (ou encarnados), sua essência converte-se em dual: isto é, os raios da Mente divina e eterna, considerados como entidades individuais, adquirem um duplo atributo: a) seu caráter essencial inerente, a aspiração da mente ao céu (manas superior), e b) a qualidade humana de pensar, ou reflexão animal, racionalizada por efeito da superioridade do cérebro humano, inclinado à Kama, ou manas inferior. Um gravita até Buddhi, o outro tende para baixo, até o centro das paixões e dos desejos animais. Para estes últimos não há lugar em Devakhan, nem podem associar-se com a Tríade divina que, como unidade, ascende à bem-aventurança mental. Sem dúvida o Ego, a entidade manásica, é responsável por todos os pecados dos atributos inferiores, da mesma forma que um pai é responsável pelas transgressões de seu fiho enquanto este é irresponsável.

 

P: E acaso o "filho" é a "personalidade"?

T: Sim. Por isso, quando se diz que a "personalidade" morre com o corpo, não se disse tudo. O corpo, que só era o símbolo objetivo do sr. A. ou da sra. B., extingue-se com todos seus skandhas materiais, que são as expressões visíveis dele. Mas todo aquele que durante a vida constituiu um núcleo espiritual de experiências: as aspirações mais nobres, as afeições imortais e a natureza altruísta do sr. A. ou da sra. B., durante o período devakhânico aderem-se ao Ego, identificando com a parte espiritual daquela entidade terrestre que desapareceu de nossa vista. O ator está tão imbuído do papel que acaba de representar, que sonha com ele durante a noite devakhânica inteira; e essa visão dura até que soa para ele a hora de voltar ao cenário da vida para desempenhar outro papel.

 

P: Mas como se explica que esta doutrina, que conforme sua afirmação é tão antiga quanto o pensamento humano, não tenha penetrado na Teologia cristã?

T: Equívoco seu: penetrou nela, só que a Teologia a desfigurou de tal modo, que ficou desconhecida, como sucede com muitas outras doutrinas. A Teologia chama ao Ego o anjo que Deus nos dá no momento de nascer, para cuidar de nossa alma; e em vez de fazer aquele anjo responsável pelas transgressões da pobre "alma" desamparada, esta é que - segundo a Teologia - - recebe castigo por todos os pecados, tanto da carne como da mente. E é a alma, o Hálito imaterial de Deus e sua pretensa criação, a que, graças a um dos enganos intelectuais mais extraordinários que se conheceu, está condenada a arder sem jamais se consumir[1], em um inferno material; enquanto que o "anjo", depois de dobrar suas brancas asas, que umedece com algumas lágrimas, escapa ileso. Sim, desta forma são nossos "espíritos defensores", os enviados "mensageiros de paz", segundo nos disse o bispo Mant:

"... para fazer o

Bem aos herdeiros da Salvação;

Sofrer por nós quando pecamos, e

Regozijar-se quando nos arrependemos".

Sem dúvida fica evidente que se pedirmos a todos os bispos do mundo inteiro, uma definição clara e terminante sobre o que entendem por alma e suas funções, seriam tão incapazes de fazê-lo, como de demonstrar a menor sombra de lógica na crença ortodoxa.



[1] Já que é de uma "natureza como o amianto, ou asbesto", conforme a eloqüente e fogosa expressão de um moderno Tertuliano inglês.

 

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