Como Buddha e Jesus, Apolônio foi um intransigente inimigo de toda a ostentação exterior de piedade, de toda a exibição de cerimônias religiosas inúteis e de toda a hipocrisia. Se, como o Salvador cristão, o sábio cristão, o sábio de Tyana tivesse, por preferência, buscado a companhia do pobre e do humilde; e se, ao invés de morrer confortavelmente, e com mais de cem anos de idade, tivesse sido um mártir voluntário, proclamado a verdade divina de uma cruz, seu sangue se teria provado tão eficaz para a subseqüente disseminação das doutrinas espirituais, como o do Messuas cristão.
As calúnias atiradas contra Apolônio foram tão numerosas como falsas. Mesmo dezoito séculos depois da sua morte, ele foi caluniado pelo Bispo Douglas em sua obra contra os milagres. Nisso o justo Rev. Bispo colidiu contra os fatos históricos. Se estudarmos o assunto com um espírito imparcial, percebemos rapidamente que as éticas de Gautama Buddha, Platão, Apolônio, Jesus, Amônio Saccas, e seus discípulos, baseavam-se todas na mesma filosofia mística; que todos reverenciavam um Deus, seja O considerado como o "Pai" da Humanidade, que vive no homem como o homem vive nele, seja como o Incompreensível Princípio Criador; todos viveram vidas sublimes. Amônio, falando de sua filosofia, ensinava que sua escola datava dos dias de Hermes, que trouxe sua sabedoria da Índia. Tratava-se da mesma contemplação mística do iogue: a comunhão do Brahman com seu próprio Eu luminoso - o "Âtman". E esse termo hindu é cabalístico par excellence. O que é o Eu? - pergunta-se no Rig-Veda; "O Eu é o Senhor de todas as coisas (...) todas as coisas estão contidas nesse Eu; todos os eus estão contidos nesse Eu. O próprio Brâhman não é senão Eu", é a resposta. Diz Idrah Rabbah: "Todas as coisas são Ele, e em todas as partes Ele está oculto. O Adão-Cadmo dos cabalistas contém em si todas as almas dos israelitas, e está em todas as lamas", diz o Zohar. Os princípios fundamentais da Escola Eclética eram portanto idênticos às doutrinas dos iogues, os místicos hindus, e do Budismo primitivo dos discípulos de Gautama. E quando Jesus assegurava a seus discípulos que "o espírito da verdade, que o mundo não pode receber porque não O vê, nem O conhece", está com eles e neles, que "estão nEle e Ele neles, ele apenas expunha a mesma doutrina que reconhecemos em toda filosofia digna desse nome.
Saint-Hilaire, o erudito e cético sábio francês, não acredita numa palavra da parte miraculosa da vida de Buddha; não obstante, ele é franco ao dizer que Gautama só é excedido por Cristo na grande pureza de sua ética e de sua moralidade pessoal.
"Não hesito em dizer", assinala Barthélemy Saint-Hilaire, "que, com exceção apenas de Cristo, não há, entre os fundadores de religiões, uma figura mais pura ou mais tocante do que a de Buddha. Sua vida é imaculada. Seu heroísmo constante iguala suas convicções (...) Ele é o modelo perfeito de todas as virtudes que prega; sua abnegação, sua caridade, a doçura inalterável de seu caráter não o abandonam em nenhum momento. Ele abandonou, aos vinte e nove anos, a corte de seu pai para tornar-se um monge e um mendigo (...) e quando morreu nos braços de seus discípulos, foi com a serenidade de um sábio que praticara a virtude por toda a vida, e que morre convencido de ter encontrado a verdade. Esse merecido panegírico não é mais vigoroso do que aquele que o próprio Laboulaye pronunciou, e que despertou a ira de des Mousseaux. "É mais do que difícil", acrescenta este último, "compreender como homens não assistidos pela revelação subiram tão alto e se aproximaram tão perto da verdade". É curioso que haja tantas almas elevadas "não assistidas pela revelação"!
E por que deveríamos nos espantar com o, fato de que Gautama morreu com serenidade filosófica? Como afirmam corretamente os cabalistas: "A morte não existe, e o homem jamais abandona a vida universal. Aqueles que pensamos estarem mortos ainda vivem em nós, assim como nós vivemos neles (...) Quanto mais se vive para os seus semelhantes, menos se deve temer a morte". E, poderíamos acrescentar, aquele que vive para a Humanidade faz muito mais por ela do que aquele que morre.
O Inefável Nome, em busca do qual tantos cabalistas - que não conheciam nenhum adepto oriental, ou mesmo europeu - consumiram em vão seus conhecimentos e suas vidas, repousa latente no coração de todos os homens. Esse nome mirífico que, de acordo com os antigos oráculos, "se lança nos mundos infinitos, pode ser obtido de duas maneiras: pela iniciação regular, e através da "pequena voz" que Elias ouviu na caverna de Horeb, a montanha de Deus. E "quando Elias a ouviu, cobriu o rosto com o manto, e saiu, e pôs-se à entrada da caverna. E veio-lhe uma voz (...)".
Quando Apolônio de Tiana desejava ouvir a "sigilosa voz", ele costumava envolver-se dos pés à cabeça com um manto de fina lã, após ter feito alguns passes magnéticos, e pronunciava, não o "nome", mas uma invocação bem-conhecida de todo adepto. Então, lançava o manto sobre a cabeça, e seu espírito translúcido ou astral se libertava. Nas ocasiões ordinárias, ele não trajava nenhuma veste de lã. A posse da combinação secreta do "nome" conferia ao hierofante o poder supremo sobre qualquer ser, humano ou não, inferior a ele em força de alma. Portanto, quando Max Müller nos fala da "Majestade Oculta" quíxua, que jamais devia ser aberta por mãos humanas, o cabalista compreende perfeitamente qual o sentido da expressão, e não se surpreende ao ouvir a exclamação desse erudito filólogo: "Ignoramos do que se trata!"
Não podemos repetir suficientemente que é apenas através das doutrinas das filosofias mais antigas que se pode entender a religião pregada por Jesus. É através de Pitágoras, Confúcio e Platão que podemos compreender a idéia que subjaz ao termo "Pai" no Novo Testamento. O ideal platônico da Divindade, que ele chama de Deus eterno e invisível, o Criador e Pai de todas as coisas, é o próprio "Pai" de Jesus. Esse Ser Divino de quem o sábio grego diz que não pode ser nem invejoso, nem o criador do mal, pois não pode produzir senão o que é bom e justo, não é com certeza o Jeová mosaico, o "Deus ciumento", mas o Deus de Jesus, que "só é bom". Ele louvou Seu poder divino que a tudo abarca, e Sua onipotência, mas insinua que, por ser imutável, Ele não pode jamais alterar suas leis, i.e., extirpar o mal do mundo através de um milagre. Ele é onisciente, e nada escapa de Seu olhar vigilante. Sua justiça, que descobrimos encarnada na lei da compensação e da retribuição, não deixará um crime sequer sem punição, uma virgula sequer sem recompensa; e portanto declara que o único meio de honrar a Deus é cultivar a pureza moral. Ele rejeita por completo não apenas a idéia antropomórfica de que Deus teria um corpo material, mas rejeita com repulsa as fábulas que atribuem paixões, querelas e crimes de toda sorte aos deuses menores. Ele nega com indignação que Deus Se permite ser propiciado, ou antes subornado, por preces e sacrifícios.
O Fedro de Platão expõe tudo o que o homem foi uma vez, e o que ainda pode vir a ser. "Antes de o espírito do homem cair na sensualidade e nela ser incorporado pela perda de suas asas, ele vivia entre os deuses do mundo aéreo espiritual, onde tudo é verdadeiro e puro". No Timeu, ele diz que "houve um tempo em que a Humanidade não se perpetuava, mas vivia na forma de espíritos puros." No mundo futuro, diz Jesus, "nem eles se casam, nem elas são dadas em casamento", mas "são como os anjos de Deus no Céu".
Quando lemos a verdadeira história de Buddha e do Budismo escrita por Müller, e as entusiásticas opiniões expressas por Barthélemy Saint-Hilarie e Laboulaye, e quando, finalmente, um missionário papal, uma testemunha ocular, e alguém que pode ser acusado de tudo, menos de parcialidade para com os budistas - queremos falar do Abade Huc -, não consegue senão expor a sua admiração pelo elevado caráter individual desses "cultores do demônio", devemos considerar a filosofia de Sâkyamuni como algo mais do que a religião de fetichismo e ateísmo que os católicos nos querem forçar a acreditar. Huc foi um missionário e seu primeiro dever consistia em considerar o Budismo como um rebento do culto de Satã. O pobre Abade Huc foi riscado da lista de missionários em Roma, após a publicação de seu livro de viagens. Isto ilustra quão pouco podemos aprender da verdade sobre as religiões de outros povos através dos missionários, quando seus relatos são preliminarmente revisados pelas autoridades eclesiásticas superiores, e os viajantes severamente punidos por falar a verdade.
Quando Marco Polo perguntou a homens que recebiam, e ainda recebem, a pecha de "ascetas obscenos", em suma, os fieis de certas seitas da Índia, geralmente chamados de "iogues", "se não tinham vergonha de andarem nus como o faziam", eles responderam ao indagador do século XII como o fariam a um missionário do século XIX: "Andamos nus", disseram eles, "porque nus viemos ao mundo, e nada desejamos possuir que seja deste mundo. Ademais, não temos conhecimento de um pecado da carne e, por conseguinte, não temos vergonha de nossa nudez, tal como vós não tendes ao mostrar vossas mãos e vossos rostos. Vós que conheceis os pecados da carne, vós tendes razão em vos envergonhar, e em cobrir vossa nudez".