O poder do silêncio

Submitted by Mauricio Medeiros on Wed, 05/09/2012 - 02:31
Não é novidade para ninguém a frase "as palavras tem poder". O conhecimento de que o que falamos cria a realidade a nossa volta se difundiu bastante e é bastante aceito, permeando praticamente todas as principais religiões do mundo. Usando a bíblia como exemplo, temos:
 
Mateus, 12;34-37: 
A boca fala daquilo de que o coração está cheio. O homem bom do seu bom tesouro tira o bem, mas o homem mau do seu mau tesouro tira o mal. Eu lhes digo que de toda palavra inútil que os homens disserem darão contas no dia do Juízo. Pois por suas palavras você será justificado e por suas palavras será condenado.
Tiago, 3:12-3: 
Aquele que não tropeça ao falar é realmente um homem perfeito, capaz de refrear todo seu corpo. Quando colocamos um freio na boca dos cavalos, a fim de que nos obedeçam, conseguimos dirigir todo o seu corpo. 
Ou a mais famosa de todas, João,1:1:
No princípio era o verbo.
Existem referências ao poder da palavra nos Vedas, na religião judaica, em textos budistas, e mesmo em sucessos editoriais modernos como no livro "O Segredo". Podemos, em geral, não aplicar esse conceito em nossas vidas, mas é difícil encontrar alguém que nunca tenha sequer escutado alguma afirmação desse tipo.
 
Wittgenstein, grande pensador ocidental, escreveu sobre a palavra que "os limites de meu mundo são os limites de minha linguagem". Com isso, ele aludia ao fato de que reconhecemos no mundo apenas aquilo que podemos nomear. Mas essa frase remete também a verdade de que nossas palavras são refletidas no mundo que nos cerca, e definem a nossa realidade.
 
Psicólogos falam a respeito do papel da palavra no desenvolvimento cognitivo e social de uma criança; aquilo que transmitimos aos nossos filhos, somados aos nossos atos e a forma como expressamos determinadas idéias, se constitui na referência que será utilizada para vivenciar o mundo. Isso está relacionado ao fato citado por Wittgenstein, de que nosso cérebro capta do mundo em grande parte apenas o que se enquadra em nosso conjunto de valores, conceitos e idéias - palavras - conhecidos.
 
Mas pouco se fala sobre a importância do silêncio.
 
Penso bastante nisso. Essa necessidade de silêncio não é apenas - e nem em primeiro lugar - no sentido exotérico, visível, de "não pronunciar palavras", mas no sentido interno, de guardar nossos pensamentos. Todos somos treinados, em maior ou menor grau, para utilizar o pensamento criador. Desde a infância, em momentos de desafios ou dificuldades, somos levados a repetir e escutar que "podemos vencer", que "tudo dará certo", que "somos capazes". Isso não passa de um exercício onde buscamos criar nossa realidade através de palavras, pensamentos e intenções. E o caminho que decidimos seguir - entendo que se você está lendo esse texto, está ou pretende estar em busca de entendimento espiritual - tende a intensificar esse aspecto.
 
Ainda assim, é comum direcionarmos nossos pensamentos para assuntos destrutivos, nocivos. E é um triste engano pensar que deslizes como falarmos de maneira negativa de outras pessoas, ou olharmos de maneira pessimista para nossa própria vida, não são tão sérios. Somos humanos, e estamos sujeitos ao erro, sem dúvida, mas de forma alguma nossa tendência natural ao erro torna suas consequências menos reais. Não devemos aceitar essa tendência como desculpa, mas mantê-la clara em nossa mente, como um alerta de que nada além do nosso esforço consciente pode minimizar as inevitáveis consequências dos erros.
 
Essa semana, lendo algumas coisas do Tibetano, me deparei com um texto que vem ao encontro disso. Os trechos abaixo são uma tradução livre de partes do capítulo sobre a regra onze (de quatorze) para a iniciação grupal, e se encontra no livro "Os Raios e as Iniciações". Gostaria de pedir que lessem com cuidado.
Outro fator importante na preparação do grupo para a iniciação é o cultivo do silêncio. Como, perguntamos a nós mesmos nos momentos em que o funcionamento do Ashram está sob discussão, podemos treinar nossos discípulos para que percebam que, essencialmente, silêncio não é se abster de falar? Muitos discípulos parecem pensar assim, e pensar que eles tem que aprender a não falar se querem ter esperanças de chegar à iniciação. Alguns fariam muito melhor se falassem mais do que falam - mas na linha correta. O silêncio imposto no Ashram é abstenção de certas linhas de pensamento, a eliminação do devaneio e do uso nocivo da imaginação criativa. A fala é consequentemente controlada em sua origem porque a fala é o resultado de certas fontes interiores de idéias, do pensamento e da imaginação; é a precipitação (em um certo ponto de saturação, se posso expressar dessa maneira) dos reservatórios interiores que transbordam para o plano físico. 
 
A retenção da fala e a supressão das palavras, se é o resultado da percepção de que o que está para ser dito é errado, ou indesejável, ou não sábio, ou um desperdício de energia, simplesmente irá aumentar o estoque interno e eventualmente levará a uma demonstração ainda mais violenta de palavras em uma data futura; isso pode também trazer sérias e desastrosas condições ao corpo astral do discípulo.
 
O silêncio do pensamento deve ser cultivado e, meus irmãos, eu não quero dizer pensamento silencioso. Quero dizer que certas linhas de pensamento não devem ser admitidas; certos hábitos de pensamento estão erradicados e certas abordagens às idéias não são desenvolvidas.
Ao ler isso, imagino que a primeira reação seja de estranheza, e dúvida. Como, então, devemos nos portar em relação aos nossos pensamentos? É deixado claro que não estamos falando de contenção, pura e simples, por parte de uma mente vigilante, da expressão desses pensamentos. A contenção apenas leva a explosões maiores. O objetivo é evitar que os pensamentos nocivos se manifestem. DK prossegue em sua explicação dando indicações de como atingir isso:
Isto é feito por um processo de substituição, e não por um violento processo de supressão. O iniciado aprende a manter seu aparato mental em uma certa condição efetiva. Seus pensamentos não se misturam uns com os outros, estando contidos (se posso colocar usando essa imagem) em compartimentos separados ou cuidadosamente arquivados para referência e uso futuro. Existem certas camadas de pensamento (novamente falando de forma simbólica) que são mantidas dentro do próprio Ashram e às quais nunca é permitido acesso à mente do discípulo ou do iniciado quando não estão conscientemente trabalhando no Ashram; outras são relacionadas ao grupo e seu trabalho e ganham livre acesso dentro desse filtro; e ainda outras são de natureza mais mundana e governam a vida diária e os relacionamentos do discípulo com personalidades e assuntos da vida civilizada e dos eventos do plano físico. 
 
Estas são apenas indicações, mas são suficientes para mostrar (se você meditar diligentemente) um pouco do que deve ser o silêncio do iniciado. Dentro dos níveis de contato permitidos, a fala é livre e desimpedida; fora desses níveis, nenhuma indicação é dada de que outras esferas de atividade mental, com suas respectivas falas condicionadas, existam. Tal é o silêncio do discípulo iniciado.
Confesso não saber se entendi completamente a metodologia a qual ele alude nesse texto. Entendo que devemos manter uma atitude mental compatível com o ambiente em que nos encontramos. No templo, por exemplo, nossos sentimentos e nossa atenção devem estar nos assuntos do templo - isso naturalmente gera uma barreira contra a manifestação de pensamentos de uma tônica diferente. Em nossos momentos familiares, o foco deve ser a família, e assim por diante. Isso se assemelha bastante a algumas técnicas budistas, focando o pensamento no "agora".
 
Em adição a isso, existe um mecanismo que utilizo a alguns anos, e que se mostrou bastante eficaz. A luta contra nossos pensamentos é uma luta sem esperanças de vitória, pois ela ocorre no reino dos pensamentos. Quando tentamos reprimir, destruir, ou bloquear um pensamento, todo nosso foco está nesse pensamento, e o efeito acaba sendo o exato oposto do que intencionamos. Em lugar dessa luta, podemos simplesmente não opor resistência. Se algum pensamento nocivo surgir, observe-o, "rotule" de alguma maneira esse pensamento como nocivo (teve uma época que eu simplesmente imaginava um carimbo vermelho de "inadequado") e deixe-o passar. Volte sua atenção para a atividade que estiver executando, ou mude de assunto se o pensamento se originou em algo que você estava discutindo com alguém. Funciona de forma quase mágica, embora seja um processo que pode levar semanas ou mesmo meses para padrões de pensamentos que alimentamos por anos. A explicação dessa técnica é simples: sempre que focamos nossa mente em algum pensamento, ou tentamos lutar com ele, estamos fortalecendo essa forma pensamento. Consequentemente, ela irá se fazer presente com mais frequência. Se não alimentamos a forma pensamento, sua energia se desgasta e ela tende a desaparecer.
 
Muitas vezes o fato de nos vermos pensando em coisas aparentemente aleatórias, fora de nosso controle, é fruto de uma saudável necessidade que a nossa mente tem de antever cenários com os quais, eventualmente, poderemos lidar. Alguns destes pensamentos podem não ser dos melhores, e lutar eles contra não é a melhor proposta. Sabemos que, em sua maioria, são recorrentes. Uma forma de proceder diante desses pensamentos é fazer uma discreta mudança em seu rumo, de forma a terem um final positivo, ou tomarem formas mais positivas. Com isso, damos um novo propósito a uma forma pensamento que originalmente podia não ser benéfica.
 
É claro que colocar essas idéias em prática não é simples. Espera-se que falhemos muitas vezes para cada momento em que de fato sejamos bem sucedidos. O importante é a mudança de atitude, a postura assumida diante de cada situação com que nos deparamos. Em última instância, é a nossa atitude perante a vida que determinará a tônica de nossas experiências, e os frutos que colheremos delas.
 

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