O Funcionamento do Karma

Submitted by Estante Virtual on Sat, 12/17/2011 - 21:43

Depois de ter a Alma esgotado a vida devachânica e acabado de assimilar o mais possível das matérias recolhidas durante a sua última existência, começa por ser atraída novamente para a terra, pêlos laços do desejo que a ligavam à vida material. A última etapa do seu último período de vida vai começar, fechando-lhe o Portal do nascimento; pela última vez vai revestir-se de um novo invólucro, de um novo corpo para mais uma experiência de vida terrestre.

A Alma transpõe o limiar do Devachân para o plano da Reencarnação levando consigo os resultados, grandes ou pequenos, do seu trabalho devachânico. Se se trata de uma Alma nova, pouco terá ganho, visto que, no início da evolução das Almas, os progressos são mais lentos do que a generalidade dos estudantes julga, e, durante a infância, os seus dias de existência sucedem-se com monotonia, conseqüência do pouco que cada uma das suas vidas terrestres semeou e do fato de cada Devachân poucos frutos ter amadurecido. Mas, com o desenvolvimento gradual das suas faculdades, aumenta a velocidade do seu crescimento; tanto mais que a Alma que entra no Devachân com grande abundância de materiais possui, ao sair, um grande acréscimo de faculdades, como no-lo mostraram as leis gerais que já enunciamos.

A Alma deixa o Devachân, revestida apenas com o invólucro que subsiste e se aperfeiçoa durante um Manvantara(1), cercada pela aura que lhe pertence, como individualidade; esta aura é mais ou menos resplandecente, e multicolor, mais ou menos luminosa, nítida ou extensa segundo o grau de aperfeiçoamento que a Alma atingiu na evolução. Foi forjada no fogo divino, e é como rei Soma(2) que ela faz a sua aparição.

Na passagem pelo plano astral, durante o seu regresso à terra, a Alma reveste-se de novo de um corpo de desejos: — é o primeiro resultado da elaboração do seu Karma passado. As imagens mentais formadas outrora com "materiais imanados do desejo, latentes na consciência — privações da matéria, segundo H. P. Blavatsky, isto é, coisas suscetíveis de existência, mas fora de qualquer manifestação material" — são, então, projetadas para fora pela Alma, transvazam imediatamente da matéria do plano astral os elementos kâmicos, de natureza análoga à sua, convertem-se em apetites, paixões e emoções inferiores do corpo de desejos do Ego nas suas novas encarnações. Feito este trabalho — trabalho, ora rápido, ora demorado — o Ego apresenta-se no vestuário kármico que preparou para si mesmo, pronto para "vestir" o duplo etérico, ou Linga Sharira, que os Altos Senhores do Karma talharam segundo os elementos fornecidos pelo próprio Ego, e pelo qual será moldada a forma do seu corpo físico — que será a casa onde terá de habitar durante a sua nova vida terrestre. Assim aparecem construídos imediatamente, por assim dizer, espontaneamente, o Ego individual e o Ego pessoal; as suas qualidades e "dons naturais" são os resultados diretos dos seus pensamentos. O homem é, afinal, verdadeiramente criado por ele mesmo; é, no sentido preciso do termo, absolutamente responsável pelo que é.

Ora, este homem vai possuir um corpo físico e um corpo etéreo, que lhe condicionarão em larga escala as faculdades; vai viver em um meio especial que exercerá uma grande influência em todas as suas manifestações exteriores, vai seguir um trilho traçado pelas causas que pôs em ação, causas muito diferentes daquelas, cujos efeitos as suas faculdades determinam; vai embrenhar-se em acontecimentos, alegres ou tristes, resultado das forças que gerou. Como se há de preparar o terreno para o exercício de suas energias? Onde encontrar e como adaptar, uns aos outros, os instrumentos oportunos e as circunstâncias reagentes?

Caminhamos para uma região de que pouco se pode dizer, visto que é a das poderosas Inteligências Espirituais, cuja natureza está muito além do alcance das nossas acanhadas faculdades, de que podemos, é certo, conhecer a existência e as obras, mas perante as quais, estamos na posição do menos inteligente dos animais inferiores em relação a nós; um animal pode saber que existimos, mas não tem a mais pequena idéia da natureza e da extensão das operações da consciência humana. Esses Grandes Seres são chamados Lipikas e os quatro Marajás. Pelas linhas seguintes se avaliará o pouco que deles podemos saber:

Os Lipikas, cuja descrição é dada no Sexto Comentário da Sétima Estância, são os Espíritos do Universo. ...

Pertencem à parte mais oculta da cosmogênese, que não pode ser revelada aqui. O autor nem sequer sabe dizer se os Adeptos, mesmo os mais elevados, conhecem essa ordem angélica na plenitude dos seus três graus, ou se apenas lhes conhecem o grau inferior, o que tem relação com os anais do nosso mundo, — mas tudo o que se ensina leva a crer que os Lipikas estão em relação com o que é a última suposição, a verdadeira. A respeito dos graus mais elevados da ordem apenas Karma, de quem são, por assim dizer, os arquivistas imediatos(3).

São os "Sete Imediatos", os conservadores dos arquivos astrais, que estão cheios das imagens akáshicas de que já se tratou. Estão unidos ao destino de cada homem, ao nascimento de cada criança(4).

Dão "o molde do Linga Sharira", tipo do corpo físico apropriado à expressão das faculdades mentais e passionais evoluídas pelo Ego, e remetem-nas aos "Quatro" dos Marajás que são:

os protetores da humanidade e, ao mesmo tempo, os agentes do Karma na terra(5).

Acerca deles escreveu H. P. Blavatsky, citando a Quinta Estância do Livro Dzyan:

Quatro "rodas aladas em cada canto. ...

para os quatro santos e seus exércitos". São estes os "Quatro Marajás" ou Grandes Reis dos Dhyans Chohans, dos Devas, que presidem a cada um dos pontos cardeais. ...

Estes Seres estão também em ligação com o Karma que tem necessidade de agentes físicos e materiais para a execução dos seus decretos(6).

Ao receber das mãos dos Lipikas o molde — ou, mais uma vez, a "privação de matéria" — os Marajás escolhem, para a composição do duplo etéreo, os elementos apropriados às qualidades de que ele deve ser a expressão, e este duplo etéreo converte-se assim num instrumento kármico adequado ao Ego, a quem dá, ao mesmo tempo, o meio de exprimir as faculdades que ele evoluiu, e as restrições que, com as faltas passadas e com a negligência no aproveitamento das ocasiões favoráveis, ele impôs a si mesmo. Os Marajás guiam este molde para o país, raça, família e meio social que ofereçam o terreno mais favorável para a execução do Prabdah, isto é, daquela porção do Karma que cabe a cada Ego no primeiro período da sua existência. Uma única existência não basta para esgotar todo o Karma acumulado no passado. Seria impossível fabricar um instrumento ou encontrar um meio que permitisse exprimir todas as faculdades lentamente desenvolvidas pelo Ego, que obedecesse a todas as circunstâncias necessárias à colheita de todas as sementeiras semeadas no passado, e encerrasse todas as possibilidades de cumprimento de todas as obrigações que a Alma, chamada à encarnação, contraiu com cada Ego, com quem entrou em contato no decurso da sua longa evolução. É, portanto, uma porção apenas do Karma total que pode ser destinada a um único período de existência e que encontra um duplo etéreo apropriado.

Chegado ao terreno apropriado, o molde deste duplo etéreo, é colocado onde o Ego melhor possa entrar tem relações com alguns dos Egos que conheceu no passado, Egos que ou estão também encarnados ou vão sê-lo no respectivo período de existência. O país foi escolhido de maneira a que nele se encontrem condições religiosas, políticas e sociais apropriadas a certas das suas capacidades e compatíveis com a ocorrência de determinados efeitos gerados por ela. A raça é tal que — embora submetida também às leis mais gerais da encarnação nas raças, leis de que não se trata aqui — apresenta os característicos análogos a certas faculdades prestes a desabrocharem, e cujo tipo se quadre com a alma em via de reencarnação. Quanto à família, é escolhida uma, cuja hereditariedade física fez evoluir a espécie de materiais físicos que, reunidos no duplo etéreo, adaptem-se à sua constituição; uma família cuja organização material, geral ou particular, deixa o campo livre ao jogo das naturezas passional e mental do Ego.

Entre as múltiplas qualidades da alma e os múltiplos tipos físicos que existem no mundo, a escolha pode fazer-se de modo que se consiga uma adaptação perfeita entre uns e outros: é fácil conseguir para o Ego um invólucro que lhe sirva, um instrumento e um campo de ação que lhe permitam fazer evoluir uma parte do Karma.

Apesar de insondáveis para os nossos fracos meios de compreensão, o conhecimento e o poder necessários para estas adaptações não é, contudo, difícil entrever, ainda que confusamente, a possibilidade de sua realização, obedecendo a um plano de equidade e justiça perfeitas.

Não há dúvida de que a trama de um destino humano deve ser composta de um número inumerável de fios que, no seu conjunto hão de formar um desenho de uma pasmosa complicação. Fios que faltam, porque ficaram sob a urdidura, outros que aparecem repentinamente, todos eles obedecem à lançadeira, que a devido tempo os chamará a cooperar na execução perfeita do tecido. Para nós que, a olho nu, apenas vemos uma parte desse tecido, o destino pode-nos escapar, mas como diz o sábio Jâmblico:

Aquilo que nos parece ser uma definição exata da justiça não tem o mesmo aspecto para os Deuses. Com efeito, nós, vendo apenas a parte que está perto de nós, apenas fixamos a atenção nas coisas do presente, nesta vida de um momento, e na forma com que ela subsiste. Pelo contrário, os Poderes que estão acima de nós conhecem o conjunto da vida da Alma e todas as suas existências anteriores(7).

A certeza de que "o mundo é regido pela justiça perfeita", radica-se à medida que aumenta o conhecimento da Alma em evolução. Efetivamente, à medida que a alma progride e começa a ver nos planos elevados e a transmitir à consciência desperta o que sabe, vamos nós aprendendo com uma certeza sempre crescente, e, por conseqüência, com alegria, que a boa lei atua com uma invariável, que os seus agentes a aplicam em toda a parte, de uma maneira infalível, com uma força invencível, e que tudo neste mundo, onde as Almas lutam, é pelo melhor.

Nas trevas soa o grito "Tudo vai bem", solto pelas almas vigilantes, que empunham o facho da sabedoria divina através dos caminhos obscuros da nossa colméia humana.

Examinemos agora alguns dos princípios segundo os quais a lei atua; conhecê-los será um auxiliar poderoso para a descoberta das suas causas e compreensão dos efeitos.

Já vimos que os pensamentos constroem o caráter; vejamos agora que as ações fazem o meio.

Temos perante nós um princípio geral cujos efeitos são bastante extensos; estudemo-lo, portanto, com alguma minúcia. As ações de um indivíduo afetam os que lhe estão próximos no plano físico; o homem espalha em torno de si a felicidade ou dissemina a desgraça, aumenta ou diminui a soma do bem-estar humano. Este acréscimo ou esta diminuição de felicidade podem ser devidos a variadíssimos motivos: uns bons, outros maus, e outros participando dos dois. Um homem pode com um ato de bondade pura, com o desejo de dar alegria aos seus semelhantes, espalhar ao longe a bondade; pode, por exemplo, com esse fim, oferecer a uma cidade um parque para recreio público dos seus conterrâneos. Um outro pode fazer a mesma oferta, mas por ostentação, movido pelo desejo de atrair as atenções dos que distribuem as honrarias sociais; e suponhamos que com a sua dádiva à cidade este segundo cidadão obteve, como recompensa, um título qualquer. E um terceiro podia ainda proceder analogamente por motivos diversos, uns egoístas, outros desinteressados. Os diferentes móveis da ação atuarão diversamente no caráter dos três indivíduos nas futuras encarnações; uns aperfeiçoá-lo-ão, outros imprimir-lhe-ão um retrocesso, e outros ainda poucos resultados obterão. Mas o efeito do gesto que causa prazer e dá felicidade a um grande número de pessoas não depende do móvel que inspirou o doador; todos gozam do parque, sem que nisso influa o motivo que inspirou a oferta, e este gozo geral estabelece a seu favor um direito kármico, um crédito, que a Natureza lhe há de pagar escrupulosamente, como uma dívida; e virá a receber por isso um meio fisicamente confortável ou mesmo luxuoso, visto que ocasionou um prazer físico de que muitos compartilharam; o sacrifício que ele fez de bens físicos traz-lhe a legítima recompensa, o fruto kármico da ação que praticou. E pertence-lhe de direito. Mas o uso que ele fizer da situação que o oferecimento lhe proporcionou, a felicidade que tirar da sua fortuna e do meio, dependerão principalmente do seu caráter, a que corresponderá também uma recompensa, visto que cada sementeira há de produzir a colheita correspondente.

O fato de ter, sempre que lhe foi possível, prestado serviços aos seus semelhantes, durante uma vida, terá o efeito "de, numa outra vida, lhe serem proporcionadas muitas outras ocasiões de servir, e assim o indivíduo que. numa esfera de ação limitada, tiver ajudado todos aqueles que encontra no seu caminho, renascerá numa situação em que as possibilidades de prestar serviços de grande alcance serão muito mais numerosas e extensas.

Da mesma forma, as ocasiões perdidas reaparecem transformadas em obstáculos à ação e em infortúnios. Por exemplo, o cérebro do duplo etéreo terá uma construção defeituosa e produzirá um cérebro físico defeituoso; e o Ego sentirse-á abaixo da execução dos projetos que fizer, ou, então, se se apodera de uma idéia, não será capaz de imprimi-la com nitidez no cérebro. As ocasiões perdidas transformam-se em esperanças desiludidas, em desejos sem expressão, em ânsia de ajudar o próximo sem possibilidade de realização, por incapacidade ou mesmo por falta de oportunidade.

É a este mesmo princípio que obedece muitas vezes a perda de um filho ou, em geral, de um ente querido O Ego que de qualquer maneira maltratou ou deixou de amar, tratar, proteger, renascerá num meio em que se ache estreitamente ligado àquele que desprezou; nutrirá por ele a maior afeição, mas para vê-lo ser arrebatado por uma morte prematura. O parente pobre outrora desprezado pode reaparecer como herdeiro estimado, como filho único, querido e estremecido. E os pobres pais, quando, no seu desolamento virem o vazio da sua casa, admirar-se-ão da "injustiça da Providência", que os priva do único filho, alegria e esperança da sua vida, ao passo, que o vizinho do lado continua a gozar a companhia da sua prole numerosa. E, contudo, o Karma continua a distribuir a justiça sempre ao longo da mesma linha de equidade; esta linha é que nem sempre é fácil de descobrir, a não ser para aqueles a quem se abriram os olhos.

Os vícios de conformação provêm das deformidades do duplo etéreo; são condenações perpétuas, infligidas àqueles que se revoltaram contra a lei ou que, por qualquer forma fizeram sofrer o próximo. São todos obra dos Senhores do Karma, e representam a manifestação física do Ego, no duplo etéreo, formado por Eles. As deformidades devidas aos erros e aos defeitos provêm igualmente da distribuição equitativa da lei que determina essa complexa tendência para a "reprodução de uma doença de família, bem como a forma apropriada do duplo etéreo e a direção que é dada para a família onde essa doença hereditária se instala, oferecendo um "plasma contínuo" favorável ao desenvolvimento dos germes produtores da doença.

O desenvolvimento das faculdades artísticas — para considerar outro gênero de qualidades — provém do molde que os Senhores do Karma fornecem para o duplo etéreo, molde que torna possível a construção de um sistema nervoso delicado, e, muitas vezes, provém da orientação deste molde para que, numa família se tivesse desenvolvido, por vezes em muitas gerações, essa faculdade especial do Ego. Para exprimir a faculdade musical, por exemplo, é necessário um corpo físico especial, uma grande sensibilidade física de ouvido e tato, cujo desenvolvimento necessite da cooperação continuada de uma hereditariedade física.

Os serviços prestados à humanidade, seja por meio de um livro cheio de idéias nobres, seja por meio de discursos de utilidade, pela propagação de idéias elevadas, criam dívidas que são escrupulosamente satisfeitas pêlos poderosos agentes da lei. O bem que assim se faz, volta ao benfeitor na forma de assistência mental e espiritual, que lhe é devida em virtude de um direito adquirido.

Esboçamos, pois, de uma maneira geral, os princípios gerais da ação kármica e os respectivos papéis dos Senhores do Karma e do Ego no destino do indivíduo. O Ego fornece os materiais que traz consigo; e os Senhores do Karma empregam-nos — e por vezes o próprio Ego — segundo a sua respectiva qualidade. O Ego constrói o caráter e vai-se desenvolvendo gradualmente; os Senhores do Karma constroem o molde restritivo, escolhem o meio e, em geral, adaptam e ajustam, para que a boa lei encontre sempre a sua expressão infalível a despeito da oposição dos anseios dos homens.

 


Notas do capítulo:

  1. O ciclo de manifestação inclui as sete Rondas — sete grandes "ondas de vida" que vivificam sucessivamente os sete globos que constituem uma Cadeia Planetária da grande "Onda de vida" do Logos. Segundo Madame Blavatsky, em "A Chave da Teosofia", cada Manvantara dura 308.444.000 anos. (N. T.)
  2. Nome místico cheio de significação para quem conhece o papel representado por Soma em certos mistérios antigos.
  3. A Doutrina Secreta, I. 
  4. Id., ib.
  5. Id., ib.
  6. Id., ib.
  7. Sobre os Mistérios, IV, 4, cf. a nova edição da tradução de Thomaz Taylor, publicada pela Sociedade Teosófica, pp. 209-210

Outras páginas interessantes: