Por que os Teósofos não acreditam na volta dos espíritos puros

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 20:20

P: Em que isto se opõe à sua felicidade?

T: É muito simples e darei um exemplo. Morre uma mulher, deixando órfãs e abandonadas criaturas que adora, e talvez também um marido querido. Dizemos que seu "Espírito" ou Ego — essa individualidade penetrada completamente durante todo o período devakhânico pelos mais nobres sentimentos que sua última personalidade teve — isto é, amor pelos filhos, compaixão pelos que sofrem etc.; dizemos que então está inteiramente separada deste "vale de lágrimas"; que sua felicidade futura consiste na bendita ignorância de todas as misérias que deixou atrás de si. Os espíritas, pelo contrário, sustentam que eles se dão conta delas mais que antes, porque os "espíritos vêem melhor do que os mortais". Nós defendemos que a felicidade em estado devakhânico consiste na completa convicção de não haver abandonado nunca a terra, e de que a morte não existe; que a consciência post-mortem espiritual da mãe a fará sentir e ver que vive rodeada de seus filhos e de todos aqueles a quem amou; e não faltará nada que pudesse turbar em seu estado desencarnado a felicidade mais perfeita e absoluta. Os espíritas negam este ponto violentamente. Segundo sua doutrina, o desgraçado ser humano não se livra das penas desta vida nem mesmo com a morte. Nenhuma gota do cálice da amargura e tormentos da vida escapará de seus lábios; nolens volens, uma vez que agora vê tudo e há de apurá-lo até o fim. Desse modo a esposa que durante sua vida esteve disposta a evitar qualquer sofrimento para seu marido, encontra-se condenada a ver seu desespero sem poder de nenhum modo remediá-lo, e a perceber cada lágrima que derrama por sua perda. Pior ainda: pode observar que as lágrimas secam demasiado rápido, e pode ver outra mulher junto ao pai dos seus filhos, substituindo-a em seu carinho; condenada a ouvir seus filhos órfãos, chamar de mãe a uma mulher que não sente por eles mais que indiferença, e contemplar, talvez, até desatenção para com eles, ou mesmo maltrates. De acordo com esta doutrina "a tranqüila e doce ascensão à vida imortal" converte-se, sem nenhuma transição, em um novo caminho de sofrimentos mentais! As colunas do Banner of Light — antigo órgão dos espíritas norte-americanos — estão cheias de comunicações e avisos, procedentes dos mortos, os "queridos ausentes", que escrevem para avisar quão felizes todos eles são! Esse conhecimento é compatível com o que sucede na terra, com a felicidade? A felicidade, neste caso, é igual ao castigo mais terrível; em comparação, a condenação ortodoxa seria um consolo.

 

P: E como sua teoria resolve este ponto? Como podem conciliar a teoria da onisciência da alma, com sua ignorância sobre o que se passa na terra?

T: Porque esta é a lei do amor e da compaixão. Durante cada período devakhânico, o Ego onisciente se reveste do reflexo da "personalidade" passada. Acabo de dizer que a florescência Ideal de todo o abstrato, e, portanto, de todas as qualidades e atributos imperecíveis e eternos, como o amor e a misericórdia, o amor ao bem, à verdade e ao belo, que se aninharam no coração da "personalidade" viva, aderem-se ao Ego depois da morte, e, por conseguinte, seguem-no a Devakhan. Durante esse tempo o Ego converte-se no reflexo ideal do ser humano que ultimamente existiu na terra; e este não é onisciente. Se o fosse, não estaria no estado que chamamos Devakhan.

 

P:  Quais as razões que explicam isto?

T: Se quer uma resposta baseada estritamente em nossa filosofia, direi que isto é assim porque, fora da verdade eterna, que não tem nem forma, nem cor, nem limites, tudo é ilusão (maya). Aquele que se colocou fora do véu de maya (como sucede com os adeptos e iniciados mais elevados), não pode ter Devakhan. Enquanto que para o comum dos mortais, sua bem-aventurança é completa em Devakhan. É o esquecimento absoluto de tudo quanto lhes causou dor ou mágoa em sua última encarnação; é até mesmo o esquecimento do fato de que existam semelhantes sofrimentos. A entidade devakhânica vive durante seu ciclo intermediário entre duas encarnações, rodeada por tudo aquilo a que aspirou e desejou em vão, em companhia de todos os que amou na terra. Alcança a realização de todas as aspirações de sua alma, e vive assim durante séculos de uma existência de felicidade sem sombras, que é o prêmio de seus sofrimentos na vida terrestre. Banha-se em um mar de contínua felicidade, somente intercalada por sucessos de um grau de felicidade ainda maior.

 

P: Isto é ainda mais do que uma ilusão: é uma existência de insanas alucinações!

T: Sob seu ponto de vista, pode ser que seja assim, mas não o é, dentro da filosofia. Ao lado disto: não é toda nossa vida terrestre cheia de tais ilusões? Você nunca encontrou homens e mulheres que vivem durante anos em um paraíso fantástico? Se verificasse que o marido de uma mulher — que é por ela amado, e igualmente se crê amada — , no entanto, a trai, você teria coragem de despedaçar seu coração e derrubar suas douradas ilusões, revelando-lhe a verdade? Não acredito. Repito que esse esquecimento e alucinação de Devakhan — se você aceita esse nome — não são mais do que estrita justiça e uma lei misericordiosa da natureza. De qualquer forma, é uma perspectiva muito mais atraente do que a ortodoxa, com sua harpa dourada e seu par de asas. Acreditar que "a alma vivente ascende com freqüência à celestial Jerusalém, percorrendo familiarmente suas ruas, visitando os patriarcas e profetas, saudando os apóstolos e admirando o exército de mártires", poderá parecer a alguns mais piedoso. Sem dúvida é uma alucinação de caráter muito mais ilusório, porque todos sabemos que as mães querem a seus filhos com amor imortal, enquanto que os personagens mencionados na "celestial Jerusalém" são de natureza mais duvidosa. Mas, sem dúvida, eu aceitaria melhor o da "nova Jerusalém", com suas ruas empedradas no estilo de vitrina de joalheiro, que o consolo da doutrina desapiedada dos espíritas. Sua idéia de que as almas intelectuais conscientes de nosso próprio pai, mãe, filha ou irmão, encontram a felicidade em uma "terra de verão" (summer land), que descrevem (algo mais natural, mas exatamente tão ridícula quanto a "nova Jerusalém"), bastaria para fazer perder todo o respeito pelos seus "ausentes." Crer que um espírito puro pode ser feliz enquanto se vê condenado a presenciar os pecados, os erros, a traição, e, sobretudo, os sofrimentos daqueles de quem está separado pela morte, e, por mais bem que os queira, sem poder prestar-lhes auxílio, seria um pensamento capaz de enlouquecer qualquer um.

 

P: Seu argumento encerra algo de verdade. Confesso que nunca o havia encarado sob este ponto de vista.

T: Assim é, e é preciso ser profundamente egoísta e privado em absoluto do sentido da justiça retribuitiva, para se imaginar coisa semelhante. Em Devakhan estamos com aqueles que perdemos quando nos achávamos em forma material, e muito, muito mais perto então, que quando estávamos vivos. E isto não é apenas uma ilusão da entidade devakhânica, como possa parecer a alguns, mas sim uma realidade. Porque o puro amor divino não é apenas a flor de um coração humano, mas tem suas raízes na eternidade. O santo amor espiritual é eterno, e cedo ou tarde Karma faz com que os que se amaram com esse afeto espiritual, encarnem mais uma vez no mesmo grupo, ou família.

Repetimos que o amor de após a morte — por mais que o considerem ilusório — tem um poder mágico e divino, que reage sobre os vivos. O amor que o Ego de uma mãe sente pelos filhos imaginários que vê perto de si (ao viver uma felicidade que é tão real para ela como quando se encontrava na terra), seus filhos sempre sentirão este amor durante a vida. Vai manifestar-se em sonhos, freqüentemente em diversos acontecimentos, como em proteções providenciais; porque o amor é um escudo poderoso, e não é limitado pelo espaço nem pelo tempo. O que acabamos de dizer com relação a essa "mãe" devakhânica, pode ser aplicado às demais relações e afetos, exceto aos puramente egoístas ou materiais. A analogia sugerirá o resto.

 

P: Então, em nenhum caso admitem a possibilidade de comunicação dos vivos com o espírito desencarnado?

T: Sim, existem duas exceções à regra. A primeira, é durante os .dias imediatamente após a morte de uma pessoa, antes de que o Ego entre em estado devakhânico. Quanto ao fato de que nenhum mortal obteve muito benefício do regresso do espírito ao plano objetivo, essa é uma outra questão.

Talvez assim haja ocorrido em alguns raros casos excepcionais, quando a intensidade do desejo do moribundo por algum objeto determinado haja forçado à consciência superior a permanecer desperta, e, nesse caso, foi a individualidade, o "espírito", que se comunicou. Depois da morte o espírito está ofuscado, deslumbrado, e rapidamente cai no que chamamos a "inconsciência pré-devakhânica". A segunda exceção corresponde aos Nirmanakayas.

 

P: Quem são estes? Que significado tem esse nome para vocês?

T: É o nome dado àqueles que, embora tenham ganho o direito ao Nirvana e ao repouso cíclico[1], renunciaram, por compaixão à humanidade e aos que deixaram na terra, ao estado nirvânico. Semelhantes adeptos, santos, ou como quiserem chamar, considerando como um ato de egoísmo o repouso na bem-aventurança, enquanto a humanidade geme sob o peso dos sofrimentos e da miséria produzidos pela ignorância, renunciam ao Nirvana e resolvem permanecer invisíveis em espírito, nesta terra. Os Nirmanakayas abandonaram o corpo material, mas, de resto, continuam na posse de todos seus princípios, até na vida astral de nossa esfera. Eles podem se comunicar — e realmente o fazem — com alguns eleitos, embora seguramente não com os médiuns comuns.

 

P: Fiz a pergunta sobre os Nirmanakayas, porque li em algumas obras alemãs e outras que este era o nome dado nas doutrinas buddhistas do norte, às aparências terrestres ou corpos de que se revestem os Buddhas.

T: É verdade, só que os orientalistas confundiram esse corpo "terrestre", concebendo-o como objetivo e físico, ao invés de puramente astral e subjetivo.

 

P: E qual o bem que os Nirmanakayas podem jazer na terra?

T: Não muito, com relação aos indivíduos, uma vez que não têm o direito de intervir no Karma, e só podem aconselhar e inspirar os mortais para o bem geral. Mas sem dúvida fazem maior número de ações benéficas do que você possa imaginar.

 

P: A ciência, nem sequer a psicologia moderna, jamais aceitariam isto. Para elas, nenhuma porção de nossa inteligência pode sobreviver ao cérebro físico. Que explicação vocês oferecem?

T: Não deveria sequer me dar ao trabalho de responder, mas direi, simplesmente, com as palavras atribuídas a M. A. Oxon: "A inteligência se perpetua depois que o corpo morre. Porque não é somente uma questão de cérebro. . . Pelo que já sabemos, pode-se sustentar com a razão a indestrutibilidade do espírito humano[2]".

 

P:  Mas M. A. Oxon é espirita.

T: Precisamente, e o único verdadeiro espírita que conheço, embora discorde dele em várias questões de menor importância. Ao lado disto, nenhum espírita se aproxima mais que ele das verdades ocultas.

Constantemente fala como o faria qualquer um de nós, "dos perigos exteriores que ameaçam o profanador do oculto, ignorante e pouco preparado, que penetra em seu domínio sem calcular o risco[3]". Nossa desavença é unicamente na questão da "identidade do espírito". Excetuando-se esse ponto, estou quase completamente de acordo com ele, e aceito as três proposições contidas em seu discurso de julho de 1884. Melhor dizer que este eminente espírita está em desacordo conosco, do que nós com ele.

 

P: Quais são essas proposições?

T:

1ª -- Que existe uma vida que coincide com a vida física do corpo e que é independente desta.

2ª - - Que como corolário preciso, essa vida se estende além dos limites da vida do corpo. (Nós dizemos que se estende através de Devakhan.)

3ª — Que existe comunicação entre os que vivem naquele estado de existência, e os habitantes do mundo em que vivemos agora.

Como você percebe, tudo depende dos aspectos secundários destas proposições fundamentais. Baseia-se tão só no modo de considerar o espírito e a alma, ou a individualidade e a personalidade. Os espíritas confundem ambas em "uma só"; nós as separamos, e dizemos que — à parte das exceções já enumeradas — nenhum espírito voltará a visitar a terra, embora a alma animal possa fazê-lo. Mas vamos voltar ao nosso assunto principal, ou seja, os skandhas.

 

P: Começo a entender melhor. É a essência dos skandhas mais elevados, a. que, aderindo ao Ego que se encarna, sobrevive e é agregada à massa de suas experiências; enquanto que os atributos relacionados com os skandhas materiais, com objetivos ou motivos egoístas e pessoais, são os que desaparecem do campo de ação entre duas encarnações, para reaparecer na encarnação subseqüente, como resultados kármicos que deverão ser remidos; e, em conseqüência, o espírito não abandonará o Devakhan. Não é isto?

T: Quase inteiramente. Se a isto acrescentar que a lei de retribuição ou Karma, que recompensa em Devakhan aos seres mais elevados e espirituais, jamais deixa de premiá-los novamente na terra, dotando-os de um desenvolvimento mais completo, e proporcionando ao Ego um corpo em harmonia com ele, então você terá a verdade exata.



[1] Não ao Devakhan, pois este é uma ilusão de nossa consciência, um sonho feliz; e os que são dignos do Nirvana necessariamente perderam todo desejo, ou possibilidade de desejo, das alusões do mundo.

[2]  Pag. 69 de Spirit Identity.

[3] "Coisas que sei do Espiritismo, e outras que não sei."

 

 

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