P: Vocês não acreditam no Espiritismo?
T: Se você entende por "Espiritismo" a explicação que os espíritas dão a alguns fenômenos anormais, declaro decididamente que não. Eles sustentam que todas essas manifestações são produzidas pelos "espíritos" dos mortos -- geralmente seus parentes — que, segundo dizem, voltam à terra para se comunicar com aqueles a quem estão unidos por afeto. Negamos isso de forma absoluta. Afirmamos que os espíritos dos mortos não podem voltar à terra -- salvo em casos raros e excepcionais, dos quais falarei mais adiante —; nem tampouco se comunicam com os homens, exceto por meios inteiramente subjetivos. O que aparece objetivamente é tão-somente o fantasma do homem "ex-físico". Mas cremos decididamente no Espiritismo psíquico, ou melhor dizendo, "espiritual".
P: Negam também os fenômenos?
T: Por certo que não -- salvo em caso de engano consciente.
P: Então como os explicam?
T: De muitas maneiras. As causas de tais manifestações não são tão simples como crêem os espíritas. Antes de tudo, o deus ex machina das chamadas "materializações" é geralmente o corpo astral ou "duplo" do médium, ou de outra pessoa presente. Também é esse corpo astral o produtor ou força ativa nas manifestações de escrita sobre pedras, como as de "Davenport".
P: Foi dito "geralmente": o que é então que produz, o restante?
T: Depende da natureza das manifestações: às vezes são restos astrais, as cascas kamolóquicas das personalidades que foram; e outras, os elementais. "Espírito" é uma palavra de múltiplo significado. Na realidade, ignoro o que entendem os espíritas por esse termo; mas o que pretendem, segundo entendo, é que os fenômenos físicos são produzidos pelo Ego que se reencarna, pela "individualidade" espiritual e imortal. Refutamos inteiramente essa hipótese. A individualidade consciente dos mortos não pode se materializar, nem abandonar sua própria esfera mental devakhânica, para voltar ao plano de objetividade terrestre.
P: Sem dúvida muitas comunicações recebidas de "espíritos" revelam não só inteligência como conhecimento de fatos ignorados pelo médium, e algumas vezes até jatos que não estão conscientemente presentes no espírito do investigador ou de qualquer outro componente da reunião.
T: Isto não prova que a inteligência e o conhecimento mencionados pertençam a espíritos ou emanem de almas desencarnadas. Existiram sonâmbulos que compuseram músicas, poesia e resolveram problemas matemáticos durante seu período de êxtase, sem nunca terem tido conhecimentos de música nem de matemática. Outros respondiam inteligentemente às perguntas que lhes faziam, e, em vários casos, até falavam idiomas como o hebreu ou o latim, que desconheciam totalmente em estado de vigília — e tudo isto enquanto estavam profundamente adormecidos. Você acha que esses fenômenos eram produzidos por "espíritos"?
P: Então como se explica?
T: Afirmamos que, se a chama divina no homem é uma e idêntica em sua essência com o Espírito Universal, nosso "Eu espiritual" é praticamente onisciente; mas, por seus impedimentos da matéria não pode manifestar seu saber. Quanto mais desaparecerem esses impedimentos, isto é, quanto mais se paralise o corpo físico no que se refere à sua atividade e consciência próprias e independentes, como nos estados de sono profundo, êxtase ou mesmo de enfermidade, mais profundamente poderá se manifestar o Eu interior neste plano. Essa é nossa explicação sobre esses fenômenos de uma ordem elevada verdadeiramente assombrosa, nos quais se mostra uma inteligência e um saber inegáveis. Enquanto as manifestações de ordem inferior, como os fenômenos físicos, as vulgaridades e conversas do já mencionado "espírito", necessitaríamos (para explicar somente nossas mais importantes doutrinas, com relação a esse ponto), de mais tempo e espaço do que podemos agora dedicar ao assunto. Não pretendemos intervir nas crenças dos espíritas, nem nas demais crenças. O ônus probandi deve recair nos que crêem nos "espíritos"; e atualmente tanto os dirigentes como os mais inteligentes e instruídos entre os espíritas, se bem que ainda convencidos de que as manifestações de ordem mais elevada têm por causa as almas desencarnadas, são os primeiros a confessar que nem todos os fenômenos são produzidos por espíritos. Gradualmente chegarão a reconhecer a verdade inteira; mas enquanto isso, não temos o direito nem o desejo de convertê-los a nossas opiniões, tanto mais quando acreditamos que nos casos de manifestações puramente psíquicas e espirituais, há comunicação mútua do espírito do homem vivente com o de personalidades desencarnadas[1].
P: Quer dizer que rebatem, a filosofia do Espiritismo in totum?
T: Se por "filosofia" compreende-se as mal definidas e disformes teorias, na verdade a rebatemos. Mas na realidade eles não possuem filosofia alguma. Isto é dito pelos seus melhores, mais intelectuais e ardentes defensores. Ninguém negará, nem pode negar, com exceção de algum materialista cego da escola de Huxley, sua fundamental e incontestável verdade, isto é, que os fenômenos se manifestam pelos médiuns, dirigidos por forças invisíveis e inteligentes. Com relação à sua filosofia, prefiro ler o que diz o inteligente editor de Light (Luz), o defensor mais ardente e culto com que os espíritas contam. Aqui está o que escreveu M.A. Oxon — um dos mais cotados espíritas filosóficos — no que se refere à falta de organização e cego fanatismo:
"Este ponto merece ser considerado seriamente, pois a importância e gravidade do momento é vital. Possuímos uma experiência e um conhecimento fora dos quais qualquer outro conhecimento resulta comparativamente insignificante. O espírita comum se irrita, se alguém se atreve a refutar seu indubitável conhecimento do futuro e sua absoluta certeza com relação à vida vindoura. Enquanto outros homens uniram suas débeis mãos, que tateiam no sombrio e secreto futuro, ele marcha audazmente como quem possui um mapa e não tem dúvidas do caminho. Enquanto a outros bastou uma piedosa aspiração, ou se contentaram com uma fé hereditária, ele se vangloria de saber o que os outros só crêem e de que com seus vastos conhecimentos pode suprir o deficiente das crenças que hoje agonizam, baseadas somente na esperança. É arrogante em seus procedimentos com relação às esperanças mais caras e prediletas do homem. Parece dizer: 'Vocês esperam naquilo que eu posso demonstrar. Aceitaram uma crença tradicional em tudo aquilo que posso provar experimentalmente de acordo com o mais estrito método científico. Estão caindo as antigas crenças: separem-se delas, pois contêm tanto erro quanto verdade. Só sendo construído sobre o alicerce do fato demonstrado, pode o edifício ter a solidez e estabilidade necessárias. Todos os antigos cultos se desmoronam: fujam deles para que não sejam esmagados na queda'.
Quando alguém se encontra frente a frente com uma pessoa semelhante, o que acontece? Algo muito curioso e pouco agradável. Está tão seguro do terreno que pisa, que não se importa de assegurar-se da interpretação dos demais sobre seus assuntos. A sabedoria dos séculos cuidou de dar a explicação do que com razão considera como provado; mas ele não dedica o mínimo tempo ao seu estudo. Nem está de completo acordo com seus irmãos espíritas. Parece a história da velha escocesa que formou uma 'igreja' junto com seu marido. Tinham certas chaves para o céu, ou melhor, ela as guardava, pois, 'não tinha muita confiança em Diogo'. O mesmo sucede com as seitas espíritas, divididas e subdivididas até o infinito, e cujos indivíduos não 'estão muito seguros uns dos outros'. Além disso, a experiência coletiva da humanidade é unânime em que a união é a força e a desunião a origem da debilidade e dos fracassos. Um punhado de homens instruídos e disciplinados converte-se num exército, e cada homem vale por cem indisciplinados que lhe façam frente. Em cada divisão do trabalho humano, a organização é sinônimo de êxito, de economia de tempo e trabalho, de benefício e desenvolvimento. A falta de método e planejamento, o trabalho inconstante, a energia vacilante e o esforço indisciplinado conduzem ao completo fracasso. A voz dos séculos testemunha a verdade. O espírita aceita a sentença e age em conseqüência? Certamente não. Rebela-se contra a organização. Cada um é lei para si mesmo e espinho para seus vizinhos". (Light, junho, 22, 1889.)
P: Segundo eu havia entendido, a Sociedade Teosófica foi fundada para matar o Espiritismo e a crença na individualidade futura do homem.
T: Você está equivocado. Todas as nossas crenças estão justamente baseadas nessa individualidade imortal; mas, como tantos outros, você confunde a personalidade com a individualidade. Os psicólogos ocidentais parecem não ter estabelecido distinção alguma entre ambas, e é precisamente essa diferença que dá a chave para a inteligência da filosofia oriental, e é a causa fundamental da divergência que existe entre as doutrinas teosófica e espírita. Mesmo tendo que enfrentar uma maior hostilidade dos espíritas contra nós, devo declarar aqui que a Teosofia é o verdadeiro e puro Espiritismo, mesmo que a imitação moderna deste nome, como o praticam atualmente as massas, é sensivelmente um materialismo transcendental.
P: Explique mais claramente sua idéia.
T: O que quero dizer é que apesar de nossas doutrinas insistirem na identidade do espírito e da matéria, e mesmo dizendo que o espírito é matéria potencial, e a matéria simplesmente espírito cristalizado (como, por exemplo, o gelo é vapor solidificado); sem dúvida, como a condição original e eterna de tudo não é espírito, senão Meta-Espírito (a matéria visível e sólida é simplesmente sua manifestação periódica), por chamá-lo assim, sustentamos que o termo espírito só se pode aplicar à verdadeira individualidade.
P: Mas qual é a distinção entre essa "verdadeira individualidade" e o "Eu ou Ego" de que todos temos consciência?
T: Antes de responder devo discorrer sobre o que você entende por "Eu ou Ego". Distinguimos entre o fato simples de consciência própria, o sentimento simples de que "Eu sou eu", e o pensamento complexo de que sou o "sr. Smith" ou "a sra. Brown". Acreditando como acreditamos, em uma série de nascimentos para o mesmo Ego, ou reencarnação, essa distinção é o eixo fundamental da idéia inteira. "Sr. Smith" na realidade significa uma longa série de experiências diárias, todas unidas pela continuação da memória, formando aquilo que o sr. Smith chama de "meu eu". Mas nenhuma dessas "experiências" é realmente o "Eu" ou o "Ego", nem produz ao sr. Smith a sensação de ser ele mesmo, pois esquece a maior parte de suas experiências diárias, e produzem nele o sentimento de egoidade unicamente enquanto duram. Portanto, nós, os teósofos, distinguimos entre esse conjunto de "experiências" que chamamos de falsa personalidade (por ser tão fugaz e finita), e aquele elemento do homem a que se deve o sentimento do "eu sou eu". Para nós, é este "eu sou eu" a verdadeira individualidade: e sustentamos que este "Ego" ou individualidade representa como o ator nos palcos muitos papéis na peça da vida[2]. Consideramos cada nova vida na terra, do mesmo Ego, como uma representação diferente no cenário de um teatro: aparece uma noite como Macbeth, na seguinte como Júlio César, depois será Romeu, na próxima Hamlet ou o Rei Lear, e assim sucessivamente, até que tenha completado o ciclo de encarnações. O Ego começa sua peregrinação de vida em papéis bem secundários como o de um espectro, um Ariel ou um duende; logo representa um papel de coadjuvante: é um soldado, um criado, um cantor no coro; depois ascende a "papéis falados": desempenha alternadamente papéis principais e outros insignificantes, até que, finalmente, despede-se da cena como Próspero, o mago.
P: Entendo. Mas foi dito que aquele verdadeiro Ego não pode voltar à terra imediatamente após a morte. Tem o ator a liberdade de voltar, se quiser, à cena onde desempenhou seus atos anteriores, se é que conservou o sentido de sua individualidade?
T: Simplesmente nego, porque um regresso semelhante à terra seria incompatível com um estado qualquer de felicidade e bem-aventurança sem mescla depois da morte, conforme quero provar. Acreditamos que o homem sofre tantas e imerecidas penas e misérias durante sua vida, por culpa dos demais com quem está relacionado, ou por causa do ambiente que o rodeia, que seguramente tem direito a um descanso e uma tranqüilidade perfeitos, senão à felicidade, antes de voltar a carregar novamente o peso da vida. Poderemos discutir este ponto em minúcias, mais para frente.
[1] Dizemos que em tais casos não são os espíritos dos mortos os que descem à terra, mas sim os espíritos dos vivos que ascendem à região das almas espirituais puras. Na realidade não existem nem a subida nem a descida, mas sim uma troca de estado ou condição para o médium. Quando este entra em "transe", o Ego espiritual liberta-se de seus entraves e se encontra no mesmo plano de consciência dos espíritos descarnados. Então, se houver alguma atração espiritual entre eles, podem-se comunicar, como acontece freqüentemente durante o sonho. A diferença entre uma natureza mediúnica e outra não sensitiva é a seguinte: o espírito do médium, em liberdade, passa a ter faculdade e facilidade para influir sobre seus próprios órgãos — apesar do corpo físico estar em letargia -- fazendo-os atuar, falar e escrever à vontade. O Ego pode fazer repetir, como um eco, em linguagem humana, os pensamentos e idéias da entidade desencarnada. Mas o organismo não receptor nem sensitivo não pode ser influído deste modo. Por isto, ainda que raro, é o ser humano cujo Ego não tenha uma livre correspondência durante o sonho com aqueles a quem amou e perdeu, sem dúvida — em virtude do positivo e não receptivo de seu invólucro físico e de seu cérebro —, nenhuma recordação lhe sobra quando acorda, com exceção, às vezes, de alguma idéia obscura de um sonho muito vago.
[2] Ver mais adiante, "Individualidade e Personalidade"