É necessário rezar?

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 03:47

P: Acreditam na oração? Vocês rezam?

T: Não. Trabalhamos em vez de falar.

 

P:  Nem mesmo oferecem orações ao Princípio Absoluto?

T: E por que haveríamos de fazê-lo? Sendo gente ocupada como somos — e temos muito a trabalhar - - não podemos perder tempo era dirigir orações a uma pura abstração. O incognoscível unicamente relaciona suas partes entre si; mas não tem existência quando se trata de relações finitas. A existência e fenômenos do universo visível dependem de suas formas ativas e de suas leis, não de orações.

 

P: Então não crêem na oração?

T: Não em oração composta de tais ou quais palavras que se repetem exteriormente, se é que você entende por oração a súplica externa dirigida a um Deus desconhecido, como a que inauguraram os judeus e popularizaram os fariseus.

 

P: Existe outro tipo de oração?

T: Sem dúvida: nós a chamamos de oração da vontade, e é muito mais uma ordem ou mandamento interno do que uma petição.

 

P: E a quem se reza, então, quando se o faz?

T: A   "nosso Pai no céu"   -  em seu sentido esotérico.

 

P: Por acaso é diferente do que nos ensina a Teologia?

T: Inteiramente. Um ocultista ou um teósofo dirige sua oração a seu Pai que existe em segredo (leia e trate de compreender o Cap. VI, vers. 6, de Mateus), e não a um Deus extra-cósmico, e, portanto, finito; e esse "Pai" se encontra no próprio homem.

 

P: Então vocês fazem do homem um Deus?

T: Diga "Deus" e não um Deus. Para nós, o homem interno é o único Deus que se pode conhecer. E como pode ser de outra maneira? Concede-nos o que pretendemos, isto é, que Deus é um princípio infinito universalmente difundido. Nesse caso, como pode o homem não compenetrar-se com, por e na Divindade? Chamamos nosso "Pai no céu" àquela deífica essência que reconhecemos em nós, no nosso coração e consciência espiritual e que nada tem a ver com o conceito antropomórfico que podemos formar em nosso cérebro ou em nossa imaginação: "Não sabeis que sois um templo de Deus e que em vós habita o espírito de (o absoluto) Deus?"[1]. O homem deve evitar antropomorfizar aquela essência que está nele. Se um teósofo quiser seguir a verdade divina e não a humana, não deve dizer que esse "Deus em segredo" escuta o homem finito, ou é separado dele mesmo ou da essência infinita; porque todos são um. Nem tampouco que a oração é um pedido, como acabamos de mostrar. É, isso sim, um mistério; um procedimento oculto pelo qual pensamentos e desejos condicionados e finitos, incapazes de ser assimilados pelo espírito absoluto, que é incondicionado, são transformados em desejos espirituais e em vontade, chamando-se esse procedimento "transmutação espiritual". A intensidade em nossas ardentes aspirações transmuda a oração em "pedra filosofal", ou aquilo que transforma o chumbo em ouro puro. Por nossa "oração da vontade", a única essência homogênea converte-se em força ativa e criadora, e produz efeitos de acordo com nossos desejos.

 

P:  Pretende com isto dizer que a oração é um procedimento oculto que gera resultados físicos?

T: Sim. O Poder da Vontade converte-se em força viva, real. Mas, pobres dos ocultistas e teósofos que, ao invés de exterminar os desejos de seu ego inferior, pessoal, o homem físico, disser a seu Ego Espiritual Superior rodeado de luz Atma-Búddhica: "Tua vontade se cumpra, não a minha", usando do poder da vontade para objetivos egoístas ou ímpios! Isto é magia negra, abominação e feitiçaria espiritual. Desgraçadamente esta é a ocupação favorita de nossos homens de Estado e generais cristãos, especialmente quando esses jogam dois exércitos um contra o outro, para que se destruam mutuamente. Uns e outros se entregam antes da ação, a um ato de bruxaria, oferecendo — cada um — orações ao mesmo Deus dos exércitos, pedindo-lhe ajuda para exterminar a seus inimigos.

 

P: Davi rogou ao Deus dos exércitos que lhe ajudasse a derrotar os filisteus e a matar os sírios e moabitas; e o "Senhor protegeu a Davi em todas as orações". Nisto nos limitamos a seguir o que diz a Bíblia.

T: É claro. Mas já que se chamam de cristãos e não de israelitas ou judeus, por que não fazem o que disse Cristo? Ordena muito claramente para não imitar "aos dos tempos antigos" ou da lei mosaica, e os convida a seguir o que ele ensinava, advertindo aos que quisessem usar a espada, que por ela pereceriam. O Cristo lhes deu uma oração que converteram em ostentação rotineira, pois só os lábios a pronunciam, e ninguém, exceto o verdadeiro ocultista, a compreende. Dizem nela, no sentido da letra morta: "Perdoa-nos nossas dívidas, assim como perdoamos nossos devedores", coisa que nunca fazem. Também lhes disse: Amai a vossos inimigos e jazei o bem àqueles que vos odeiam. Seguramente não é o "doce profeta de Nazaré" quem os ensina a rezar ao "Pai" para matar e vencer aos inimigos! Aí está por que repelimos aquilo que vocês chamam de "orações".

 

P: Mas como se explica o fato universal de que todas as nações e povos rezaram e adoraram a um Deus ou Deuses? Alguns adoraram e invocaram ao diabo e espíritos malignos; mas isto prova a universalidade da crença na eficácia da oração.

T: Explica-se pelo fato da oração, além do significado que lhe dão os cristãos, ter vários outros. Não só significa um rogo, um pedido, como antigamente tinha mais o sentido de uma invocação ou encantamento. O mantra — a oração rítmica cantada dos hindus -- tem precisamente este sentido, pois os brâhmanes se consideram superiores aos devas comuns, ou "Deuses". Uma oração pode ser um apelo ou encantamento para uma maldição e uma blasfêmia (como no caso de dois exércitos rezando simultaneamente para conseguir a mútua destruição); ou para uma bênção. E como a grande maioria das pessoas é sumamente egoísta e só reza para si mesma, pedindo que se lhes dê o "pão nosso de cada dia", ao invés de trabalhar para consegui-lo; e rogando que Deus não os deixe cair "em tentação", e os livre do mal (só ao suplicante), resulta que a oração tal como se entende atualmente, é duas vezes perniciosa: a) Destrói no homem a própria confiança, e b) Desenvolve nele um egoísmo ainda mais feroz do que o que já possui naturalmente.

Repetimos que cremos na "comunhão" com nosso "Pai Secreto"; e, em raros momentos de felicidade extática, na fusão de nossa alma superior com a essência universal, sendo atraída para sua origem e centro; estado chamado de Samadhi durante a vida, e Nirvana depois da morte. Apenas nos negamos a orar ante seres criados e finitos: deuses, santos, anjos etc, porque consideramos idolatria. Não podemos rezar ao Absoluto pelas razões já expostas e, como conseqüência, tratamos de substituir a oração — estéril e inútil - - por atos meritórios e boas ações.

 

P: Os cristãos considerariam isto blasfêmia e orgulho. Estão equivocados?

T: Totalmente. Ao contrário, são eles que dão prova de um orgulho satânico, com sua crença de que o Absoluto, ou o infinito (supondo-se que pudesse existir a possibilidade de alguma relação entre o incondicionado e o condicionado), se dignasse a escutar cada oração boba ou egoísta que lhe é dirigida. Eles é que virtualmente blasfemam, ensinando que um Deus onisciente e onipotente necessita de orações faladas para saber o que há a fazer! Isto (entendido esotericamente) foi corroborado por Buddha e Jesus. O primeiro disse: "Não solicites nada dos deuses impotentes; não ores, ou melhor, faze; pois a escuridão não se aclarará. Nada peças ao silêncio, pois não pode nem falar, nem ouvir". E o outro - - Jesus - - disse: "Qualquer coisa quê peçais em meu nome (o de Christos), a farei". Esta frase considerada em seu sentido literal, vai contra nosso argumento. Mas se o fazemos esotericamente, com o pleno conhecimento do termo "Christos",, que para nós representa Atma-Buddhi-Manas (o Eu Superior), quer dizer que o único Deus que devemos reconhecer e ao que temos de rogar, ou melhor, com quem temos de trabalhar de acordo, é esse espírito de Deus, cujo templo é nosso corpo, no qual habita.



[1] Nos escritos teosóficos se encontram, freqüentemente, afirmações contraditórias sobre o princípio de Christos no homem. Alguns o chamam o sexto princípio (Buddhi); outros, o sétimo (Atmã). Se os teósofos cristãos desejarem empregar semelhantes expressões — usando-as filosoficamente de modo correto — devem seguir a analogia dos símbolos da antiga religião da Sabedoria. Dizemos que não só Christos é um dos três princípios superiores, como os três podem ser considerados como uma Trindade. Essa Trindade representa o Espírito Santo, o Pai e o Filho, já que responde ao espírito abstrato, ao espírito diferenciado e ao espírito encarnado. Krishna e o Christo são, filosoficamente, o mesmo princípio sob seu tríplice aspecto de manifestação. No Bhagavad-Gitâ, vemos que Krishna se chama a si mesmo, indiferentemente, Atmã, o Espírito abstrato, Kshetragnum Ego Superior (ou o que se reencarna), e o eu universal, nomes esses que quando se aplicam ao homem ao invés do universo, respondem a Atmã Buddhi e Manas. Anugita está impregnado da mesma doutrina.

 

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