Sobre Deus e a oração

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 03:46

P: Acreditam em Deus?

T: Depende do que se entende por esse termo.

 

P: Referimo-nos ao Deus dos cristãos, o Pai de Jesus e Criador; ao Deus bíblico de Moisés.

T: Em semelhante Deus não acreditamos. Repelimos a idéia de um Deus pessoal ou extracósmico e antropomórfico, que apenas é a sombra gigantesca do homem, e nem mesmo do que há de melhor nele. Dizemos e provamos que o Deus da teologia é um conjunto de contradições e uma impossibilidade lógica. Portanto, nada temos a ver com ele.

 

P: Mostre razões.

T: São várias e podemos nos ocupar de todas. Mas aqui estão algumas: esse Deus é chamado por seus adoradores de infinito e absoluto, não é certo?

 

P: Creio que sim.

T: Sendo assim, se é infinito -- quer dizer, ilimitado — e especialmente se é absoluto, como pode possuir uma forma e ser criador de alguma coisa? A forma implica limitação e um princípio, bem como um fim, e, para criar, um ser necessita pensar e projetar. Como se pode supor que o Absoluto pense — isto é —, que tenha alguma relação com o limitado, finito e condicionado? É um absurdo filosófico e lógico. Até a Cabala hebraica repele tal idéia, e faz do princípio Uno Deífico Absoluto, uma unidade infinita chamada Ain-Soph[1]. Para criar, o criador deve tornar-se ativo e como isto é impossível para o que é Absoluto, o princípio infinito se nos apresenta como causa da evolução (não da criação), de um modo indireto — quer dizer — pela emanação de si mesmo (outro absurdo devido desta vez aos tradutores da Cabala), da Sephiroth[2].

 

P: Então como se explica que ainda existam cabalistas que crêem em Jehovah ou no Tetragrammaton?

T: Podem acreditar no que quiserem, já que sua crença ou incredulidade dificilmente pode afetar um fato tão evidente. Os jesuítas nos dizem que dois mais dois nem sempre fazem quatro, uma vez que depende da vontade de Deus fazer: 2 + 2 = 5. Devemos por isso aceitar seu sofisma?

 

P: Então vocês são ateus?

T: Nós não nos consideramos assim, a não ser que se aplique o epíteto de "ateu" aos que não crêem em um Deus antropomórfico. Cremos num Princípio Divino Universal, a raiz de Tudo, de onde tudo procede e onde tudo será obtido ao fim do grande ciclo do Ser.

 

P: Isto é o que defende o antiqüíssimo panteísmo. Se são panteístas não podem ser deístas; e, não sendo deístas, devem ser considerados como ateus.

T: Não necessariamente. O termo "Panteísmo" também é um dos muitos de que se tem abusado, e cuja significação real e primitiva foi falseada e corrompida pela cega preocupação e por considerá-lo sob um só ponto de vista. Se você aceita a etimologia cristã desta palavra composta, deve formá-la de pan, “todo” e seoz, "Deus", e acreditar e ensinar que isto significa que cada pedra e cada árvore na natureza é um Deus ou o Deus Uno, e então é claro que você tem razão de chamar de fetichistas aos panteístas. Mas se empregar a etimologia da palavra Panteísmo esotericamente, como nós fazemos, dificilmente há de chegar ao mesmo resultado.

 

P:  Qual é então sua definição?

T: Deixe-me antes fazer uma pergunta: o que entende por Pan ou natureza?

 

P: Acreditamos que a natureza é a soma total das coifas existentes que nos rodeiam; o agregado de causas e efeitos no mundo da matéria, a criação, o universo.

T: Então é a soma e a ordem personificadas das causas e efeitos conhecidos; o total de todos os agentes e forças finitos, separados completamente de um Criador ou Criadores inteligentes, e talvez "concebido como uma força isolada e separada" - como dizem as enciclopédias?

 

P: Assim acredito.

T: Pois bem: nós não levamos em consideração esta natureza objetiva e material que chamamos de ilusão passageira, nem tampouco a palavra pan tem para nós o significado de natureza, no sentido aceito de sua derivação latina: natura (de nascere, nascer). Quando falamos em Divindade e a identificamos com a natureza, fazendo-a, portanto, contemporânea da mesma, referimo-nos à natureza eterna e incriada e não a seu agregado de sombras passageiras e ilusões imaginárias. Deixamos para os compositores de hinos o considerar como o paraíso ao céu visível, como o Trono de Deus, e, à nossa Terra de lama, como seu banquinho. Nossa Divindade não se encontra nem em um paraíso, nem em uma árvore especial, edifício ou montanha: está em toda parte, em cada átomo do Cosmo, tanto visível como invisível, dentro, em cima e ao redor de cada átomo invisível e molécula divisível; porque Aquele é o misterioso poder da evolução e involução, a potencialidade criadora, onipresente, onipotente e até onisciente.

 

P: Alto aqui: a onisciência é a prerrogativa de algo que pensa, e foi negado — em outra resposta — o poder de pensamento ao Absoluto!

T: Nós o negamos ao Absoluto, uma vez que o pensamento é uma coisa limitada e condicionada. Mas, evidentemente você está esquecendo que na filosofia, a inconsciência absoluta também é consciência absoluta, já que de outro modo não seria o absoluto.

 

P: Então, quer dizer que o seu Absoluto pensa?

T: Não; Aquele não pensa; pela simples razão de que é o próprio Pensamento Absoluto. Nem tampouco existe, pelo mesmo motivo, pois que é a existência absoluta, é o Ser em Si, não um Ser. No magnífico poema cabalístico de Salomão Ben Jehudah Ibn Gebirol, no Kether-Malchuth, compreende-se isso, quando diz: "És um, a raiz de todos os números, mas não como elemento de numeração; porque não admite a unidade-multiplicação, troca ou forma alguma. És um, e perdem-se os homens mais sábios no segredo de tua unidade, porque a ignoram. És um, e jamais poderás ser unidade diminuída, aumentada, nem pode ser trocada. És um, e nenhum pensamento meu pode fixar-te um limite ou definir-te. És, mas não como um existente, porque nem a inteligência nem a visão dos mortais podem alcançar tua existência, nem determinar acerca de Ti o onde, como e de onde" etc. Em uma palavra, nossa Deidade é a eterna construtora do universo; não criando mas sim evolucionando incessantemente, surgindo o universo de sua própria essência, sem ser criado. Em seu simbolismo, é uma esfera sem limites, com um atributo único eternamente ativo, que abrange a todos os demais atributos existentes ou imagináveis: Ele Mesmo. É a lei única dando impulso a leis manifestadas, eternas e imutáveis, dentro dessa Lei que jamais se manifesta porque é absoluta, e que durante seus períodos de manifestação é o Eternamente Vir a Ser, o Eterno Sobrevir.

 

P: Certa vez ouvimos um dos membros da S.T. dizer que essa Deidade Universal, encontrando-se em toda parte, estava também no impuro da mesma forma que no puro, e, portanto, presente em cada átomo da cinza de seu cigarro. Isto não é uma horrível blasfêmia?

T: Não acreditamos, porque dificilmente pode-se considerar a lógica corno blasfêmia. Se excluirmos o Princípio Onipresente de um só ponto matemático do universo, ou de uma partícula de matéria que ocupe qualquer espaço concebível, poderíamos considerá-lo ainda como infinito?



[1] Ain-Soph igual a go pan ou epeiron, o infinito, ou o limitado, em e com natureza; o não existente que É, mas não é um Ser.

[2] Como pode o princípio eterno não ativo emanar, ou emitir? Nada disto faz o Parabrahm dos vedantinos; nem tampouco o Ain-Soph da Cabala caldaica. É uma lei eterna e periódica, a que faz emanar uma força ativa e criadora (o Logos), do princípio uno, inteiramente oculto e incompreensível, no começo de cada Maha-manvantara, ou novo ciclo de vida.

 

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