Da individualidade e personalidade

Enviado por Estante Virtual em dom, 02/12/2012 - 20:12

Da individualidade e personalidade[1]

 

P: Mas qual é a diferença entre as duas? Confesso que ainda me encontro às escuras com relação a esse ponto.

T: Esforço-me em explicar, mas, com alguns, é mais difícil consegui-lo do que lhes infundir um sentimento de respeito quase infantil, somente porque são ortodoxos e a ortodoxia é respeitável.   Para compreender bem a idéia,  é necessário primeiramente estudar as duas séries de "princípios": os espirituais - ou aqueles que pertencem ao Ego imperecível; e os materiais - ou os que constituem os corpos, constantemente variáveis, ou as várias personalidades daquele Ego.  Para facilitar, demos nomes permanentes, que são:

I. Atma, ou Eu Supremo — não é o meu espírito nem o seu, mas, como o Sol, resplandece sobre todos.   É o princípio divino universalmente difundido, inseparável de seu meta-espírito uno e absoluto, da mesma forma que o raio solar é inseparável da luz do sol.

II.   Buddhi (a alma espiritual) é apenas seu veículo.  Nem Atma, nem Buddhi por si, nem os dois coletivamente, são mais úteis ao corpo do homem do que o seriam a uma pedra de granito sepultada na terra, ou à luz do sol e seus raios, a menos que "a dualidade divina seja assimilada por alguma consciência, e reflita nela".  Nem Atma nem Buddhi poderão ser alcançados por Karma, porque o primeiro é o mais elevado aspecto de Karma, seu próprio agente ativo, e, o segundo, é inconsciente neste plano.

III. Manas[2] -- o derivado (ou produto), em forma reflexa, de Ahankara, "o conceito do eu, ou egoidade".   É, portanto, chamado o Ego Espiritual, quando está inseparavelmente unido aos dois primeiros, bem como de Taijasa (radiante). Esta é a verdadeira Individualidade real, ou o homem divino. É este Ego o que, tendo encarnado originalmente na forma humana sem entendimento, animado pela presença em si mesmo da Mônada dual, mas inconsciente dela (uma vez que não tinha ciência), fez dessa forma -- humana na aparência -- um verdadeiro homem. Este Ego é aquele "Corpo-Causal" que acoberta a cada personalidade em que Karma o obriga a se encarnar. É o responsável, ainda, por todos os pecados cometidos por cada novo corpo ou personalidade (aparências passageiras que ocultam o verdadeiro Indivíduo através das longas séries de renascimentos).

 

P: Mas isto é justo? Por que deve ser castigado esse Ego por fatos que já esqueceu?

T: Não os esqueceu; sabe e recorda suas más ações, tão bem como você se lembra do que fez ontem. Pelo fato de a memória desse conjunto de compostos físicos chamado "corpo" não recordar o que seu predecessor (a personalidade anterior) fez, imagina que o Ego real o esqueceu?

 

P: Mas não existem meios de comunicação entre a consciência ou memória espiritual e a humana?

T: Lógico que há; mas jamais foram reconhecidos pelos modernos psicólogos. A que você atribui a intuição, a "voz da consciência", as reminiscências em forma de aviso, vagas e indefinidas, senão a tais comunicações? Que bom seria se a maioria dos homens, pelo menos os cultos, fosse dotada das delicadas percepções espirituais de Coleridge, que demonstra até que ponto chega sua intuição em alguns de seus comentários! Veja o que ele diz quanto à probabilidade de que "todos os pensamentos sejam em si mesmos imorredouros": "Se fosse mais compreensiva a faculdade inteligente (despertar súbito da memória), apenas se necessitaria para trazer ante cada alma humana a experiência coletiva de toda sua existência passada (existências), uma organização diferente e apropriada, o corpo celeste ao invés do terrestre". Este corpo celeste é nosso Ego Manásico.



[1] O coronel Olcott, em seu Catecismo Buddhista, obrigado pela lógica da filosofia esotérica, teve necessidade de corrigir os erros de orientalistas anteriores que não fizeram essa diferença, e dar ao leitor suas razões para isso. Diz: "As aparições sucessivas sobre a terra, ou descidas na geração das partes tanhaicamente coerentes (skandhas) de um ser determinado, são uma sucessão de personalidades A Personalidade difere em cada nascimento, tanto do anterior como do sucessivo. Karma - o deus ex-machina, se oculta (diremos melhor, que se reflete?) a si mesmo, ora na personalidade de um sábio, ora sob a forma de um artesão, e assim sucessivamente, através de toda a série de existências. Mas embora as personalidades sempre mudem, a linha única de vida que as enfia como as contas de um rosário permanece unida; é sempre essa linha particular, nenhuma outra. Portanto, é uma ondulação individual e vital que principiou em Nirvana, o lado subjetivo da Natureza, como a ondulação da luz ou do calor, propagada através do éter, nasceu numa origem dinâmica; percorre o lado objetivo da Natureza sob o impulso de Karma e a direção criadora de tanha (desejo de viver não satisfeito); e conduz através de muitas mudanças cíclicas, novamente ao Nirvana”. O sr. Rhys-Davis chama àquilo que passa de personalidade a personalidade pela cadeia individual, o "caráter" ou "ação". Uma vez que o "caráter" não é uma simples abstração metafísica, mas sim a soma de nossas próprias qualidades mentais e propensões morais, não conviria repelir ou desvanecer o que o sr. Rhys-Davis chama de "o desesperado expediente de um mistério" (Buddhismo, pág. 101), e considerar a ondulação da vida como a individualidade e a cada uma de suas manifestações natais, como uma personalidade separada? O indivíduo perfeito, buddhisticamente falando, é um Buddha; mas Buddha não é mais do que a flor rara da humanidade, sem a menor mistura sobrenatural. E como é necessário um sem-número de gerações, "quatro asankheyyas e cem mil ciclos", segundo Fansböll e Rhys-Davis (Buddhist Birth Stories. pág. 13), para converter um homem em Buddha, e a vontade de ferro para se converter em tal permanece através de todos os nascimentos futuros, como chamaremos àquele que deste modo quer e persevera? O caráter? “Nossa individualidade; uma individualidade apenas em parte manifestada em qualquer nascimento nosso, mas constituída por fragmentos de todos os nascimentos?"

[2] Mahat, ou a Mente Universal, é a origem de Manas, e este é o mahat, isto é, a mente no homem. Também se chama a Manas de Kshetrajña, espírito encarnado, porque, conforme nossa filosofia, os Manasaputras, ou "Filhos da Mente Universal", são os que criaram, ou, dizendo melhor, produziram ao homem pensador, manu, encarnado na terceira raça da humanidade em nossa Ronda. Por conseguinte, Manas é o verdadeiro e permanente Ego Espiritual que se encarna, a Individualidade, e, nossas inumeráveis e diferentes personalidades são apenas seus aspectos externos.

 

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