Entre nós, a grande maioria das pessoas tem uma vida que apresenta uma série de embaraços e de quebra-cabeças que não pode resolver. Por que as pessoas nascem tão diferentes em capacidade mental e moral? Por que uma criança tem um cérebro que denota grande poder intelectual e moral, enquanto outra tem um cérebro que a torna marcada para ser um idiota ou um criminoso? Por que uma criança tem pais bons e amorosos, bem como circunstâncias favoráveis, enquanto outra tem pais desregrados, que a detestam, e é criada em ambiente dos mais abomináveis? Por que uma dessas crianças é feliz e a outra é desafortunada? Por que uma delas morre velha e a outra morre jovem? Por que uma pessoa é impedida, por “incidente”, de tomar um navio ou um trem que sofrerá um desastre, enquanto dezenas ou centenas de outras perecem sem socorro? Por que gostamos de uma pessoa no momento em que a vemos, enquanto, com a mesma rapidez, não gostamos de outra? Perguntas como essas são feitas continuamente, e também, continuamente, não têm respostas, embora essas respostas estejam ao nosso alcance. Porque essas incongruências aparentes, essas injustiças, esses acontecimentos, que vemos como fortuitos, são apenas os resultados do trabalho de algumas leis naturais, simples e fundamentais. A compreensão dessas leis subjacentes torna a vida inteligível, restaurando, portanto, a nossa confiança na ordem divina e dotando-nos de força e coragem para enfrentar as vicissitudes da sorte. Transtornos que sobre nós caem, como “flechas lançadas do céu”, são duros de suportar, mas transtornos surgidos de causas, isso, podemos entender e, conseqüentemente, controlar e enfrentar com paciência e resignação.
O primeiro princípio que devemos assimilar com firmeza, a fim de podermos aplicá-lo para resolver os problemas da vida, é o da Reencarnação. O homem é, essencialmente, um Espírito, um indivíduo vivo e autoconsciente, consistindo essa vida autoconsciente em um corpo de matéria muito sutil. A vida não pode agir sem uma espécie qualquer de corpo, isto é, sem uma forma de matéria, por muito fina e sutil que essa matéria possa ser, que lhe dá existência separada neste Universo. Portanto, o corpo muitas vezes é mencionado como veículo que carrega a vida, fazendo-a individual. Esse Espírito, ao vir para o mundo físico, reveste-se de um corpo físico, como um homem veste o casaco e põe o chapéu para sair de sua própria casa. Mas o corpo físico não é o homem, tal como o casaco e o chapéu não são o corpo que os usa. Assim como um homem descarta roupas antigas e passa a usar novas, o Espírito descarta um corpo usado e reveste-se de outro (Bhagavad Gita). Quando o corpo físico está por demais usado, o homem passa pelos portões da morte, deixando as vestes físicas e entrando no mundo “invisível”. Depois de um longo período de repouso e de refrigério, durante o qual as experiências da vida terrena anterior são assimiladas, aumentando, assim, os poderes do homem, ele retorna ao mundo físico através dos portões do renascimento e toma um novo corpo físico, adaptado para a expressão de sua capacidade aumentada. Quando, há milênios, Espíritos que deviam fazer-se humanos vieram para o mundo, não passavam de embriões, como sementes, nada sabendo do bem nem do mal, com infinitas possibilidades de desenvolvimento — pois que eram rebentos de Deus — mas sem qualquer poder real, a não ser o de vibrar fracamente aos estímulos externos. Todos os poderes latentes que viviam dentro dele tiveram de ser despertados para a manifestação ativa, através de experiências obtidas no mundo físico. Pelo prazer e pela dor, pela alegria e pelo sofrimento, pelo sucesso e pelo fracasso, pelo gozo e pelo desapontamento, pelas sucessivas escolhas, bem ou mal feitas, o Espírito aprende suas lições e suas leis, que não podem ser rompidas, e manifesta, lentamente, uma a uma, suas possibilidades mentais e sua vida moral. Depois de cada breve mergulho no oceano da vida física — esse período geralmente conhecido como “a vida” —, ele retorna ao mundo invisível carregado das experiências que reuniu, tal como o mergulhador sai do mar com as pérolas que arrancou dos bancos de ostras. Nesse mundo invisível, ele transforma em poderes morais e mentais o que reuniu na vida que terminou, transformando aspirações em capacidade de obter, mudando os resultados de esforços que falharam em forças para futuros sucessos, mudando as lições dos erros em repulsa pelas ações erradas e a soma de experiências em sabedoria. Como bem escreveu Edward Carpenter: “Todas as dores que sofri num corpo se transformaram em poderes que exerci no seguinte.”
Quando tudo quanto se recolheu é assimilado — a extensão da vida celeste depende da quantidade de material moral e mental coletado —, o homem retorna à Terra. Em condições que logo serão explicadas, ele é guiado para a raça, a nação, a família que lhe deve dar o seu próximo corpo físico, e esse corpo é moldado de acordo com as suas necessidades, de forma a servir como instrumento feito para as suas possibilidades ou como limitação que expresse a sua deficiência. Em seu novo corpo físico, e na vida do mundo invisível que se segue ao descartar dele pela morte, que o destrói, ele retoma, em nível mais alto, um, ciclo semelhante, e assim repetidamente, durante centenas de vidas, até que todas as suas possibilidades como ser humano se tenham tornado poderes ativos e ele tenha aprendido todas as lições que a vida humana pode ensinar. Assim, o Espírito se desenvolve da infância para a juventude, da juventude para a maturidade, tornando-se uma vida individualizada de força imortal e de ilimitada utilidade para o serviço divino. Os espíritos lutadores e expandidos de uma humanidade tornam-se os guardiões da próxima humanidade, as Inteligências espirituais que guiam a evolução dos mundos posteriores ao seu próprio tempo. Somos protegidos, ajudados e instruídos por Inteligências espirituais que foram homens em mundos mais velhos do que o nosso, bem como pelos homens mais desenvolvidos da nossa própria humanidade. Pagaremos nossa dívida protegendo, ajudando e ensinando raças humanas em mundos que agora estão nos primeiros estágios do seu desenvolvimento, preparando-se para se tornar, depois de incontáveis eras, as moradas dos homens futuros. Se encontramos, em torno de nós, muita gente ignorante, estúpida, e mesmo brutal, limitada tanto nos poderes mentais como morais, é porque se trata de homens mais jovens do que nós, irmãos mais jovens, daí a razão para que seus erros devam ser tratados com amor e assistência, em lugar de amargura e ódio. Tais como são, fomos nós no passado; tais como somos, serão eles no futuro, e tanto eles como nós seguiremos adiante, sempre adiante, através de intermináveis idades.
Este, então, é o princípio fundamental que torna a vida inteligível, quando aplicado às condições do presente; a partir disso, entretanto, só posso completar aqui, com detalhes, a resposta a uma das perguntas feita acima, isto é, por que gostamos de uma pessoa e sentimos aversão por outra, logo à primeira vista; mas todas as outras perguntas serão respondidas da mesma forma. Para respostas completas, entretanto, temos de entender o princípio gêmeo da Reencarnação — o do Carma ou Lei da Causação.
Podemos fazer isso em palavras que são conhecidas de todos: “O que o homem semeia, isso ele colherá.” Ampliando esse curto axioma, compreendemos, com ele, que o homem forma o seu próprio caráter, tornando-se aquilo que ele pensa, e que ele produz as circunstâncias de sua vida futura pelos efeitos de suas ações sobre os outros. Assim, se eu penso com nobreza, irei aos poucos me tornando uma personalidade nobre, mas, se penso com baixeza, uma personalidade baixa será formada. “O homem é criado pelo pensamento; o que ele pensa durante uma vida, ele se torna na outra” — diz uma escritura hindu. Se a mente lida continuamente com uma sucessão de pensamentos, forma-se um canal, para o qual as forças do pensamento correm automaticamente, e esse hábito de pensamento sobrevive à morte, e, como pertence ao Ego, é levado para a vida subsequente na Terra, como capacidade e tendência de pensamento. O estudo habitual de problemas abstratos, para dar um exemplo bem claro, resultará, em outra vida terrena, numa capacidade bem desenvolvida para o pensamento abstrato; enquanto pensamentos volúveis, irrefletidos, voando de um assunto para outro, irão resultar numa mente inquieta, mal-regulada, para o próximo nascimento no mundo. A egoística cobiça pelas posses de outros, embora jamais levada à trapaça ativa no presente, faz o ladrão de uma vida terrena posterior, enquanto o ódio e o desejo de vingança, secretamente mantidos, são as sementes das quais brotam os assassinos. Assim, repetimos, o amor sem egoísmo produz como colheita o filantropo e o santo, e cada pensamento de compaixão ajuda a construir a natureza terna e piedosa própria de quem é “amigo de todas as criaturas”. O conhecimento dessa lei de imutável justiça, de exata resposta da Natureza a cada demanda, capacita o homem para construir a própria personalidade com toda a certeza da ciência, e a olhar para o futuro com corajosa paciência, divisando o nobre tipo que aos poucos, e com segurança, está desenvolvendo.
Os efeitos das nossas ações sobre os outros modelam as circunstâncias exteriores de uma vida terrena subsequente. Se tivermos sido causa de ampla felicidade, nasceremos em ambiente físico muito favorável ou iremos encontrá-lo durante a vida, enquanto a causa de ampla miséria resulta em ambiente infeliz. Nós nos relacionamos com as outras pessoas tendo contato com elas individualmente, e são forjados laços pelos benefícios e pelos prejuízos, os laços de ouro do amor ou as cadeias de ferro do ódio. Isso é Carma. Com essas ideias complementares mantidas com clareza em nossa mente, podemos responder com muita facilidade à nossa pergunta.
Os laços entre Egos, entre Espíritos individualizados, não podem ser antecipados quanto à primeira separação desses Espíritos em relação ao Logos, tal como as gotas não podem ser separadas do oceano. Nos reinos mineral e vegetal, a vida que se expressa em pedras e plantas ainda não evoluiu para uma existência continuamente individualizada. O termo “alma grupal” tem sido usado para expressar a ideia dessa vida em evolução, quando anima uma quantidade de organismos físicos semelhantes. Assim, toda a ordem, de plantas, digamos, como forrageiras, umbelíferas ou rosáceas, é animada por uma só alma grupal, que evolui em virtude de simples experiências reunidas através de suas incontáveis incorporações físicas. As experiências de cada planta fluem para a vida que atinge toda a sua ordem, e ajudam e apressam a sua evolução. Quando as incorporações físicas se tornam mais complexas, subdivisões instalam-se na alma grupal, e cada subdivisão, lenta e gradualmente, se separa; o número de incorporações pertence a cada subgrupo assim formado e diminui à proporção que essas subdivisões aumentam. No reino animal, esse processo de especialização das almas grupais continua, e nos mamíferos superiores um grupo relativamente pequeno de criaturas é animado por uma única alma grupal, porque a Natureza está trabalhando para a individualização. As experiências reunidas em cada um deles são preservadas na alma grupal, e dali afetam cada animal recém-nascido que a ela está ligado. Isso aparece no que chamamos instintos e é encontrado em recém-nascidos. Assim, é o instinto que leva um pinto mal saído da casca a correr à procura de proteção contra o perigo sob a asa aquecida da galinha e impele o castor a construir sua represa. As experiências acumuladas de suas espécies, preservadas na alma grupal, chegam a cada membro do grupo. Quando o reino animal alcança suas mais altas expressões, as subdivisões finais da alma grupal animam apenas uma criatura isoladamente, até que, por fim, a vida divina se derrame nesse veículo, agora pronto para recebê-la, dando nascimento ao Ego humano e dando início à evolução da inteligência autoconsciente.
A partir do momento em que uma vida separada anima um corpo isolado, pode-se estabelecer o vínculo com outras vidas separadas, cada uma igualmente habitando um tabernáculo de carne isolado. Os Egos, habitando corpos físicos, entram em contato uns com os outros; talvez uma simples atração física reúna dois Egos que habitam, respectivamente, corpos masculinos e femininos. Eles vivem juntos, têm interesses comuns e assim o vínculo se estabelece. Se é possível usar esta expressão, eles contraem dívidas um com o outro, e na Natureza não há tribunais para falências, tribunais onde esses compromissos possam ser cancelados. A morte fere um corpo, depois o outro e os dois passam para o mundo invisível; porém, as dívidas contraídas no plano físico têm de ser resgatadas no mundo a que pertencem, e aqueles dois têm de se encontrar novamente na vida terrena, e renovar a ligação que foi rompida. As grandes Inteligências que administram a lei do Carma guiam os dois para o renascimento no mesmo período de tempo, de forma que suas existências terrenas possam sobrepor-se e, na devida ocasião, eles se encontram. Se o débito contraído foi um débito de amor e de serviço mútuo, eles irão sentir-se atraídos um pelo outro; os Egos se reconhecem, como dois amigos se reconhecem, embora estejam usando roupas novas, e apertam-se as mãos, não como estranhos, mas como amigos. Se o débito foi de ódio e de injúrias, eles se evitam com uma sensação de repulsa, cada qual reconhecendo um antigo inimigo, olhando-se ambos através do abismo dos males feitos e recebidos. Casos desse tipo devem ser conhecidos de todos os leitores, embora a causa subjacente não tenha sido reconhecida. Na verdade, essas simpatias e antipatias súbitas têm sido consideradas, levianamente, como “infundadas”, como se, num mundo que obedece a uma lei, algo pudesse existir sem uma causa. Isso não quer dizer que Egos assim ligados venham a renovar esse vínculo com o exato relacionamento rompido aqui pela mão da morte. O marido e a esposa de uma vida terrena podem nascer na mesma família, como irmão e irmã, como pai e filho, como pai e filha ou com qualquer outro relacionamento de sangue. Ou podem nascer como estranhos, e se encontrarem pela primeira vez na juventude ou na maturidade, sentindo um pelo outro uma dominadora atração.
Em quão pouco tempo nos relacionamos intimamente com aquele que era um estranho, enquanto vivemos anos ao lado de outros, dos quais permanecemos alheados em nosso coração! De onde vêm essas afinidades, se não são recordações, nos Egos, de amores do seu passado? “Sinto como se tivesse conhecido você toda a minha vida” — dizemos a um amigo de poucas semanas, enquanto outros, que conhecemos durante toda a nossa vida, são para nós como livros fechados. Os Egos se conhecem, embora os corpos sejam estranhos, e os velhos amigos apertam-se as mãos com perfeita confiança e entendimento de parte a parte. E isso se dá, embora os cérebros físicos ainda não tenham aprendido a receber aquelas impressões da memória que existe nos corpos sutis, mas que são finas demais para causar vibrações na matéria grosseira do cérebro e, assim, despertar frêmitos de consciência perceptíveis no corpo físico.
Às vezes, o vínculo, sendo de ódio e de malquerença, reúne antigos inimigos na mesma família, para redimir pelo sofrimento os maus resultados de um passado comum. Terríveis tragédias familiares têm suas raízes profundas no passado, e muitos dos fatos temíveis, como a tortura de crianças indefesas, mesmo pelas próprias mães, a maligna ferocidade que inflige dor a fim de gozar com o espetáculo da agonia — tudo se torna inteligível quando sabemos que a alma daquele corpo jovem infligiu, no passado, algum horror sobre o que agora o atormenta, e está aprendendo, através dessa terrível experiência, como são duros os sistemas errados.
Na mente de alguns pode surgir a pergunta: “Se isso é verdade, devemos salvar a criança?” Seguramente, sim, devemos. É nosso dever suavizar o sofrimento, onde quer que o encontremos, felizes por ter a Boa Lei nos escolhido para seus distribuidores de misericórdia.
Outra pergunta pode ser feita: “Como podem ser rompidos esses vínculos do Mal? A tortura infligida não formará novos vínculos, pelos quais os pais cruéis virão a ser vítimas, e a criança torturada se faça o opressor?” “O ódio, em tempo algum, cessa pelo ódio” cita o Senhor Buda, conhecedor da Lei. Mas murmura o segredo da liberação quando continua: “O ódio cessa pelo amor.” Quando o Ego que pagou sua dívida do passado, sofrendo o mal que causou, for bastante sensato, corajoso e grande para dizer, entre a agonia do corpo e da mente: “Eu perdoo” — então ele cancela o débito que pode ter imposto ao seu antigo inimigo, e o vínculo forjado pelo ódio dissolve-se para sempre no fogo do amor.
Os vínculos do amor se fortalecem em cada vida terrena sucessiva, na qual os que assim se vincularam apertam-se as mãos e têm o acréscimo da vantagem de se tornarem mais fortes durante a vida no céu, para onde os vínculos do ódio não podem ser levados. Egos que têm dívidas de ódio entre si não se relacionam um com o outro no plano celeste, mas cada qual faz todo o bem que tiver em si, sem entrar em contato com o seu desafeto.
Quando o Ego consegue imprimir no cérebro de seu corpo físico sua própria lembrança do passado, então essas lembranças levam os Egos a se fazerem ainda mais próximos, e o laço ganha um sentido de segurança e de força como vínculo algum de uma só vida pode dar. Muito profunda e feliz é a confiança desses Egos, que sabem, por experiência própria, que o amor não morre.
Essa é a explicação das afinidades e repulsas, vistas à luz da Reencarnação e do Carma.