A Expiação do Pecado

Enviado por Estante Virtual em sab, 17/12/2011 - 19:47

Agora passaremos a estudar certos aspectos da Vida Crística que aparecem entre as doutrinas do Cristianismo. Nos ensinamentos exotéricos eles aparecem associados apenas à Pessoa do Cristo; nos esotéricos eles são vistos como de fato pertencendo a Ele, uma vez que em sua forma primária e em seu significado mais pleno e mais profundo, formam parte das atividades do Logos, mas apenas secundariamente refletidos no Cristo, e portanto em cada Alma-Cristo que trilha o caminho da Cruz. Estudados desta forma serão vistos sendo profundamente verdadeiros, enquanto que em sua forma exotérica eles muitas vezes confundem a inteligência e tumultuam as emoções.

Entre eles salienta-se a doutrina da Expiação dos Pecados; não apenas ela tem sido um ponto de intenso ataque daqueles de fora do círculo do Cristianismo, mas tem atormentado muitas consciências sensíveis dentro daquele círculo. Alguns dos pensadores mais profundamente Cristãos da última metade do século XIX foram torturados com dúvidas a respeito dos ensinamentos das igrejas sobre este assunto, e tentaram vê-lo e apresentá-lo de um modo que o suavizasse ou o explicasse diferentemente das noções mais cruas baseadas numa leitura não inteligente de alguns poucos textos profundamente místicos. Em parte alguma, talvez, mais do que em conexão com estes deveria ser mantida em mente a advertência de São Pedro: “Nosso amado irmão Paulo também, de acordo com a sabedoria que lhe foi dada, vos escreveu – bem como em todas as suas epístolas – falando nelas sobre estas coisas, nas quais existem algumas coisas difíceis de entender, e que são desvirtuadas por aqueles que não têm cultura ou equilíbrio, assim como o fazem às outras escrituras, para sua própria perdição” (II Pedro, III, 15-16).

Pois os textos que falam da identidade do Cristo com Seus irmãos homens têm sido desvirtuados numa substituição legalizada d’Ele mesmo no lugar dos outros, e assim têm sido usados como uma saída para se escapar dos resultados do pecado, em vez de como uma inspiração à justiça.

O ensinamento geral na Igreja Primitiva sobre a doutrina da Expiação foi que Cristo, como Representante da Humanidade, enfrentou e venceu Satanás, o representante dos Poderes Tenebrosos que têm a humanidade sob seu jugo, resgatou deles o escravo, e o libertou. Lentamente, á medida em que os escritores Cristãos perderam contato com as verdades espirituais, e projetaram sua própria intolerância e acrimônia no Pai puro e amante dos ensinamentos de Cristo, eles O representaram como estando encolerizado contra o homem, e Cristo foi feito para salvar o homem da ira de Deus, em vez de salvá-lo da escravidão ao mal. Então se imiscuíram expressões legalizadas, materializando ainda mais a idéia espiritual, e o “esquema da redenção” foi delineado de modo forense. O selo foi aposto sobre o “esquema da redenção” por Anselmo, em seu grande livro Cur Deus Homo, e a doutrina que havia crescido lentamente na teologia da Cristandade daí por diante passou a levar o sinete da Igreja. Tanto Católicos Romanos como Protestantes, na época da Reforma, acreditaram no caráter vicarial e substitutivo da expiação empreendida por Cristo. Entre eles não há querela sobre este ponto. Prefiro deixar os vates Cristãos falar por si mesmos sobre o caráter da expiação.

“Lutero ensina que ‘Cristo, real e efetivamente, sofre por toda a humanidade a ira de Deus, a maldição e a morte’. Flavel diz que ‘para a ira, para a ira de um Deus infinito sem mescla, para os próprios tormentos do inferno, Cristo foi enviado, e pela mão de seu próprio Pai’. A homilia Anglicana prega que ‘o pecado fez Deus sair dos céus para fazer a Si mesmo sentir os horrores e dores da morte’, e que o homem, sendo um agitador do inferno e um sócio do demônio, ‘foi salvo pela morte de seu filho bem-amado’; a ‘fúria de sua ira’, ‘sua ira furiosa’, somente poderia ser ‘pacificada’ por Jesus, ‘tão agradável que lhe foi o sacrifício e a oblação da morte de seu filho’. Edwards, sendo lógico, viu que havia uma grosseira injustiça no pecado ser punido duas vezes, e as penas do inferno, o preço do pecado, sendo infligido duas vezes, primeiro em Jesus, o substituto da humanidade, e depois nos perdidos, uma porção da humanidade; assim ele, em comum com a maioria dos Calvinistas, sente-se compelido a restringir a expiação aos eleitos, e declarou que Cristo levou os pecados, não do mundo, mas dos eleitos; ele ‘sofre não pelo mundo, mas por aqueles que tu me deste’. Mas Edwards adere firmemente à crença na substituição, e rejeita a expiação universal pelas mesmas razões pelas quais ‘acreditar que Cristo morreu por todos é a maneira mais segura de provar que ele não morreu por ninguém, do modo como os Cristãos têm entendido isto’.

Ele declara que ‘Deus impôs sua cólera devida, e Cristo padeceu as dores dos tormentos do inferno’ pelo pecado. Owens considera os sofrimentos de Cristo como ‘uma compensação plena e valiosa, junto à justiça de Deus, por todos os pecados’ dos eleitos, e diz que ele suportou ‘as mesmas punições que... eles mesmos deveriam suportar’ ” (A. Besant, Essay on The Atonement).

Para mostra que estas concepções eram ainda ensinadas autorizadamente nas igrejas, escrevi ainda: “Stroud faz Cristo beber ‘a taça da ira de Deus’. Jenkins diz que ‘Ele sofreu como um excluído, réprobo e esquecido de Deus’. Dwight considera que ele suportou ‘o ódio e o desprezo’ de Deus. O Bispo Jeune nos diz que ‘depois que o homem fez o pior, o pior ficou para que Cristo suportasse. Ele caiu nas mãos de seu pai’. O Arcebispo Thomas prega que ‘as nuvens da ira de Deus se ajuntaram sobre toda a raça humana: mas descarregaram-se apenas sobre Jesus’. Ele ‘se tornou uma maldição para nós e um vaso da ira’. Liddon ecoa o mesmo sentimento: ‘Os apóstolos ensinam que a humanidade é escrava, e que Cristo na cruz está pagando por sua salvação. Cristo crucificado é voluntariamente entregue e amaldiçoado’; ele fala mesmo da ‘quantidade precisa de ignomínia e dor necessária para a redenção’, e diz que a ‘divina vítima’ pagou mais do que era absolutamente necessário’ ” (Ibid.).

Estas são as concepções contra as quais o erudito e profundamente religioso Dr. MacLeod Campbell escreveu seu bem conhecido livro On the Atonement, um volume contendo muitos pensamentos verdadeiros e belos; F.D.Maurice e muitos outros homens Cristãos também têm tentado tirar de sobre o Cristianismo o peso de uma doutrina tão destrutiva para todas as idéias sobre as relações entre Deus e o homem.

Não obstante, quando olhamos para trás para os efeitos produzidos por esta doutrina, vemos que a fé nela, mesmo em sua forma legal – e para nós cruamente exotérica – está ligada a alguns dos mais altos desenvolvimentos da conduta Cristã, e que alguns dos mais nobres exemplos da maturidade Cristã tiraram dela sua força, sua inspiração e seu conforto. Seria injusto não reconhecer este fato. E sempre que analisamos um fato que nos parece espantoso e incongruente, fazemos bem em meditar sobre este fato, e tentar entendê-lo. Pois se esta doutrina não contivesse nada além do que é visto pelos seus oponentes dentro e fora das igrejas, se em seu verdadeiro sentido fosse tão repelente à consciência e ao intelecto como o imaginam muitos pensadores Cristãos, então possivelmente não teria exercido um fascínio tão poderoso sobre as mentes e corações dos homens, nem poderia ter sido a base de muitas auto-entregas heróicas, ou de tocantes e patéticos exemplos de auto-sacrifício no serviço do homem. Deve haver algo mais nela do que jaz na sua superfície, algum cerne de vida oculto que tem alimentado aqueles que dela retiraram sua inspiração. Ao estudarmos esta doutrina como um dos Mistérios Menores, devemos ver a vida oculta que estes nobres seres absorveram inconscientemente, estas almas que estavam tão sintonizadas com aquela vida que a forma sob a qual ela se velou não as repeliu.

Quando passamos a estudá-la como um dos Mistérios Menores, devemos sentir que para seu entendimento é necessário algum desenvolvimento espiritual, alguma abertura da visão interior. Compreendê-la requer que seu espírito deva estar parcialmente desenvolvido na vida, e somente aqueles que conhecem de modo prático algo do significado da auto-entrega serão capazes de captar um lampejo do que está implicado no ensinamento esotérico desta doutrina, como uma manifestação típica da Lei do Sacrifício. Só podemos entendê-la aplicada ao Cristo quando a vemos como uma manifestação especial da Lei universal, um reflexo aqui embaixo do Modelo no alto, mostrando-nos em uma vida humana concreta o que significa sacrifício.

A Lei do Sacrifício estrutura nosso sistema e todos os sistemas, e sobre ela são construídos todos os universos. Ela está na raiz da evolução, e isto por si a torna inteligível. Na doutrina da Expiação ele toma uma forma concreta em associação com homens que atingiram certo estágio no desenvolvimento espiritual, o estágio que os capacita perceberem sua unidade com a humanidade, e se tornar, no sentido mais profundamente verdadeiro, Salvadores dos homens.

Todas as grandes religiões do mundo declararam que o universo começa por um ato de sacrifício e incorporaram a idéia do sacrifício em seus ritos mais solenes. No Hinduísmo é dito que o alvorecer da manifestação deu-se por um sacrifício (Brhadâaranyakopanishat, I, I, 1), a humanidade emana [da Deidade] com sacrifício (Bhagavad-Gita, III, 10) e é a Deidade que sacrifica-Se a Si mesma (Brhadâaranyakopanishat, I, II, 7); o objetivo do sacrifício é a manifestação; Ele não pode tornar-Se manifesto a menos que um ato de sacrifício seja executado, e desde que nada pode se manifestar antes que Ele se manifeste (Mundakopanishat, II, II, 10), o ato de sacrifício é chamado de “a aurora” da criação.

Na religião de Zoroastro foi ensinado que na Existência ilimitável, incognoscível, inominável, o sacrifício foi executado e apareceu assim a Deidade manifesta; Ahura-Mazda nasceu de um ato de sacrifício (Hang, Essays on the Parsis, pp. 12-14).

Na religião Cristã a mesma idéia é indicada na frase: “o Cordeiro morto desde a fundação do mundo” (Apocalipse, XIII, 8), morto na origem das coisas. Estas palavras só podem se referir à importante verdade de que não pode haver nenhuma fundação de um mundo antes que a Deidade tenha feito um ato de sacrifício. Este ato é explicado como Ela limitando-Se a fim de tornar-Se manifesta. “A Lei do Sacrifício poderia talvez ser chamada com mais verdade de A Lei do Amor e da Vida, pois em todo o universo, desde o mais alto até o mais baixo, ela é a causa da manifestação e da vida” (W. Williamson, The Great Law, p. 406).

“Mas se estudarmos este mundo físico, como sendo o material mais à mão, vemos que toda a vida nele, todo o crescimento, todo o progresso, seja das unidades ou dos agregados, depende de um contínuo sacrifício e da resistência à dor. O Mineral á sacrificado ao vegetal, o vegetal ao animal, ambos ao homem, os homens aos homens, e todas as formas superiores se desfazem, e reforçam novamente, com seus constituintes, o reino mais inferior.

È uma contínua seqüência de sacrifícios desde o mais baixo até o mais alto, e o próprio sinal do progresso é o sacrifício passar de involuntário e imposto a voluntário e auto-escolhido, e aqueles que são reconhecidos com os maiores pelo intelecto humano e os mais amados pelo coração humano são os sofredores supremos, aquelas almas heróicas que padeceram, perseveraram, e morreram para que a raça pudesse aproveitar de suas penas. Se o mundo é obra do Logos, e a lei do progresso mundial no todo e nas partes é o sacrifício, então a Lei do Sacrifício deve apontar para algo na própria natureza do Logos, deve ter sua raiz na própria Natureza Divina. UM pensamento um pouco mais à frente nos mostrará que se há de existir um mundo, enfim um universo, isto só pode acontecer porque a Existência Única condicionou-Se e assim tornou possível a manifestação, e que o próprio Logos é o Deus autolimitado; limitado para tornar-Se manifesto; manifesto para levar um universo à existência; tal autolimitação e manifestação só podem ser um supremo ato de sacrifício, a não admira que em todo o mundo isto deva mostrar sua marca de nascença, e que a Lei do Sacrifício deva ser a lei da existência, a lei das vidas derivadas disto.

“Além disso, já que é um ato de sacrifício a fim de que os indivíduos possam vir à existência para compartilhar da felicidade Divina, é verdadeiramente um ato vicarial – um ato feito em favor de outros; daí o fato já notado de que o progresso é marcado pelo sacrifício se tornando voluntário e auto-escolhido, e percebemos que a humanidade atinge sua perfeição no homem que se doa pelos homens, e pelo seu próprio sofrimento adquire algo altamente proveitoso para a raça.

“Aqui, nas mais altas regiões, está a verdade mais recôndita do sacrifício vicarial, e por mais que possa ser degradado e distorcido, esta verdade espiritual interna é indestrutível, eterna, e a fonte de onde flui a energia espiritual que, de muitas formas e maneiras, redime o mundo do mal e o torna a casa de Deus” (A. Besant, Nineteenth Century, junho de 1895, The Atonement).

Quando o Logos sai do “seio do Pai” naquele “Dia” em que se diz que Ele é “engendrado” (Hebreus, I, 5), a aurora do Dia da Criação, da Manifestação, quando através d’Ele Deus “fez os mundos” (Hebreus, I, 2), Ele por Sua própria vontade limita a Si mesmo, fazendo como que uma esfera encapsulando a Vida Divina, surgindo como um radiante orbe de Deidade, a Divina Substância, Espírito dentro e limitação, ou Matéria, por fora. Este é o véu de matéria que torna possível o nascimento do Logos, Maria, ou Mãe do Mundo, necessário para a manifestação do Eterno no tempo, para que a Deidade possa manifestar-Se para a construção dos mundos.

Esta circunscrição, esta autolimitação, é o ato de sacrifício, uma ação voluntária empreendida por amor, para que outras vidas possam nascer de Si.

Esta manifestação tem sido considerada como uma morte, pois, em comparação com a vida inimaginável de Deus em Si mesmo, tal circunscrição na matéria pode verdadeiramente ser chamada de morte. Ela tem sido considerada, como vimos, como uma crucificação na matéria, e assim tem sido representada, sendo a verdadeira origem do símbolo da cruz, seja em sua forma grega, onde se representa a vivificação da matéria pelo Espírito Santo, seja em sua forma latina, onde se representa o Homem Celeste, o Cristo superno” (C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp. 54-56).

“Seguindo o simbolismo da cruz latina, ou crucifixo, para dentro da noite dos séculos passados, os investigadores esperavam que a figura desaparecesse, deixando apenas, supunham eles, o emblema da cruz mais antigo. Como se comprovou, o inverso é o que foi verificado, e eles se admiraram de descobrir que a certa altura a cruz desapareceu, deixando apenas a figura com os braços erguidos. Já não havia nenhum pensamento de dor ou tristeza associado a tal figura, embora ainda falasse de sacrifício; mas antes aparecia como símbolo da mais pura alegria que o mundo pode conceber – a alegria de dar livremente – pois ele tipifica o Homem Divino pairando no espaço com os braços erguidos em bênção, espalhando seus dons para toda a humanidade, derramando livremente de Si mesmo em todas as direções, descendo para dentro daquele ‘denso mar de matéria, para ser limitado, apertado e confinado lá, a fim de que através desta descida nós possamos vir a ser” (C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp. 56-57).

Este sacrifício é perpétuo, pois em todas as formas neste universo de infinita diversidade esta vida está embutida, e é seu próprio coração, o “Coração do Silêncio” do ritual Egípcio, o “Deus Oculto”. Este sacrifício é o segredo da evolução. A Vida Divina, encasulada dentro de uma forma, sempre pressiona para fora, de modo que a forma possa se expandir, mas pressiona gentilmente, evitando que a forma possa romper antes que tenha alcançado seu limite máximo de expansão. Com paciência e tato e discrição infinitos, o Ser Divino mantém a pressão constante que expande, sem aplicar uma força que poderia destruir. Em todas as formas, no mineral, no vegetal, no animal, no homem, esta energia expansiva do Logos age sem cessar. Esta é a força evolucionária, a vida que se alça dentro das formas, a energia expansiva que a ciência vislumbra mas não sabe de onde vem. O botânico fala de uma energia dentro da planta, que a faz crescer sempre para cima; ele não sabe como, não sabe por que, mas ele lhe dá um nome – vis a fronte – porque ele a encontra lá, ou antes encontra os seus resultados. Do mesmo modo que na vida vegetal, igualmente nas outras formas, fazendo-as mais e mais expressivas da vida que está dentro delas. Quando o limite de cada forma é atingido e ela não pode crescer mais, de modo que nada mais possa ser ganho através dela pela alma no interior – aquele germe de Si mesmo que o Logos está cultivando – então Ele retira Sua energia, e a forma se desintegra – o que chamamos de morte e decomposição. Mas a alma está com Ele, e Ele modela para ela uma outra forma, e a morte da forma é o nascimento da alma numa vida mais plena. Se olharmos com o lho do Espírito em vez de com os olhos da carne, não deveríamos chorar sobre uma forma, que é um cadáver devolvendo os materiais de que foi feito, mas deveríamos nos alegrar pela vida estar passando para uma forma mais nobre, para neste processo imutável expandir os poderes ainda latentes em si.

Através deste sacrifício perpétuo do Logos é que toda a vida existe; é a vida pela qual o universo está sempre em devir. Esta vida é Única, mas se encarna em miríades de formas, sempre levando-as juntas e vencendo sua resistência.

Assim há uma Unificação [no original At-one-ment, jogo de palavras impossível de traduzir, associando Atonement, ‘expiação ou sacrifício’, e At-one-ment, ‘tornar-um-só’ – NT], uma força unificante, pela qual as vidas separadas gradualmente se tornam conscientes de sua unidade, trabalhando para desenvolver em cada uma a autoconsciência, que finalmente deverá conhecer a si mesma una com todas as outras, e, em sua raiz, Uma só e divina.

Este é o sacrifício primário e perene, e será visto que constitui um derramamento de Vida dirigido pelo Amor, um derramamento voluntário e jucundo do Eu para a criação de outros Eus. Esta é “a alegria de meu Senhor” (Mateus, XXV, 21, 23, 31-45) no qual entra o servo fiel, seguido de modo significativo pela declaração de que Ele estava faminto, sedento, nu, doente, um estrangeiro numa prisão, tanto nos filhos dos homens auxiliados como nos desamparados. Para o Espírito livre, dar-Se é uma alegria, e Ele sente Sua vida de modo mais penetrante na medida em que mais Se doa. E quando mais dá, mais cresce, pois a lei do crescimento é que ele aumente quando se expande, e não quando se retira – cresce no dar, e não no tirar. O sacrifício, então, é motivo de alegria o Logos doar-Se para criar um mundo, e, vendo o trabalho de Sua alma, fica satisfeito. (Isaías, LIII, 11).

Mas a palavra sacrifício passou a ser associada com sofrimento, e em todos os ritos religiosos de sacrifício existe algum sofrimento, mesmo que seja apenas um perda trivial para aquele que sacrifica. É conveniente entendermos como ocorreu esta mudança, de modo que quando a palavra “sacrifício” é usada, a conotação instintiva á de dor.

A explicação é encontrada quando deixamos a Vida manifesta e observamos as formas em que ela está corporificada, e consideramos o sacrifício do ponto de vista das formas. Enquanto que a vida da Vida é dar, a vida ou persistência da forma é tomar, pois a forma se desagasta à medida em que é usada, diminui à medida em que persiste. Se a forma deve continuar, ela deve retirar material novo de fora de si mesma a fim de reparar suas perdas, senão se gasta e se desfaz. A forma deve coletar, manter, construir em si mesma o que recolheu, doutro modo não pode persistir; e a lei do crescimento da forma é tomar e assimilar daquilo que o universo maior oferece. Quando a consciência se identifica com a forma, considerando a forma como seu eu, o sacrifício assume um aspecto doloroso; dar, entregar, perder o que foi adquirido, é sentido como minar a persistência da forma, e assim a Lei do Sacrifício se torna uma lei de dor em vez de uma lei de júbilo.

O homem tem de aprender pela constante dissolução das formas, e a dor envolvida no descarte serve para que ele não se identifique com as formas efêmeras e mutáveis, mas sim com a vida em crescimento perene, e esta lição lhe é ensinada não apenas pela natureza externa, mas pelas lições deliberadas dos Instrutores que lhe deram as religiões.

Podemos detectar nas religiões do mundo quatro estágios de instrução na Lei do Sacrifício. Primeiro, o homem é ensinado a sacrificar parte de suas posses materiais a fim de conseguir prosperidade material, e são feitos sacrifícios em caridade para com os homens e em oferendas a Deidades, como podemos ler nas escrituras dos Hindus, dos Zoroastrianos, dos Hebreus, e de fato no mundo todo. O homem abria mão de algo valorizado a fim de assegurar a prosperidade futura para si mesmo, sua família, sua comunidade, sua nação.

Ele sacrificava no presente para ganhar no futuro. Em segundo lugar, veio uma lição um pouco mais difícil de aprender; em vez de prosperidade física e bens materiais, o fruto a ser ganho pelo sacrifício seria a felicidade celeste. O Céu deveria ser ganho, a felicidade deveria ser desfrutada no outro lado da morte – esta era a recompensa pelos sacrifícios feitos durante a vida vivida na Terra.

Era dado um considerável passo adiante quando um homem aprendia a desistir das coisas pelas quais seu corpo ansiava em prol de um bem distante que ele não podia ver nem demonstrar. Ele aprendia a entregar o visível em troca do invisível, e ao fazer isto subia na escala do ser, pois tão grande é o fascínio do visível e do tangível que um homem ser capaz de desistir disto por amor a um mundo invisível no qual acredita significa ele ter adquirido muita força e que deu um grande passo em direção à percepção daquele mundo invisível. Repetidamente suportou-se o martírio, enfrentou-se o vilipêndio, o homem aprendeu a permanecer só, suportando tudo o que sua raça pudesse despejar-lhe em cima em termos de sofrimento, miséria e vergonha, olhando o que está além da tumba. Na verdade, ainda existe um desejo de glória celeste, mas não é coisa pouca ser capaz de ficar sozinho sobre a Terra fiando-se só na companhia espiritual, firmando-se na vida interior enquanto tudo na exterior é tortura.

A terceira lição vem quando um homem, vendo-se parte de uma vida maior, deseja sacrificar-se pelo bem do todo, e assim se torna forte o bastante para reconhecer que o sacrifício é correto, que uma parte, um fragmento, uma unidade no total da vida, deve se subordinar ao todo, subordinar o fragmento à totalidade. Então ele aprendeu a fazer o bem, sem ser afetado pelos resultados disto em sua própria pessoa, aprendeu a cumprir o dever, sem desejar o resultado para si, aprendeu a perseverar porque a perseverança estava correta não porque seria coroada, aprendeu a dar porque os dons eram devidos à humanidade e não porque seriam compensados pelo Senhor. A alma heróica assim treinada estava pronta então para a quarta lição: a de que o sacrifício de tudo o que constitui o fragmento separado deve ser oferecido porque o Espírito não está na verdade separado, mas é parte da Vida divina, e não conhece diferença, não sente separação, o homem se doa como parte da Vida Universal, e na expressão desta Vida ele compartilha da alegria de seu Senhor.

É nos três primeiros estágios que encontramos o aspecto sofrido do sacrifício. O primeiro importa apenas pequenos sofrimentos; no segundo a vida física e tudo o que a Terra tem a oferecer deve ser sacrificado; o terceiro é o grande período de teste, de provação, de crescimento e evolução da alma humana.

Pois neste estágio o dever pode exigir tudo aquilo em que a vida parece consistir, e o homem, ainda identificado em sentimento com a forma, embora se conheça teoricamente transcendente, descobre que é exigido dele tudo o que ele sente ser vida, e pergunta: “Se eu entregar tudo, o que restará?”

Parece que a própria consciência haveria de cessar com esta entrega, pois deve abrir mão de tudo o que percebe, e não vê nada para agarrar-se no outro lado. Uma convicção sobrepujante, uma voz imperiosa, insta-o para que entregue sua própria vida. Se ele recua, deve continuar na vida de sensação, na vida de intelecto, na vida do mundo, mas á medida que desfruta das alegrias a que não ousou renunciar, encontra uma constante insatisfação, uma fome constante, uma constante mágoa e falta de prazer no mundo, e ele percebe a verdade do ditado de Cristo, de que “aquele que deseja manter sua vida, a perderá” (Mateus, XVI, 25), e que a vida que ele amava e queria preservar, enfim, está perdida. Mas se ele arrisca tudo obedecendo a voz que lhe fala, se ele desiste de sua vida, ao perdê-la, encontra-se na vida eterna (João, XII, 25), e descobre que a vida que ele entregou só era uma morte em vida, que tudo o que ele entregou foi só a ilusão, e que ele encontrou agora a realidade. Nesta escolha o metal de que é feita a alma é testado, e somente o ouro puro sai da fornalha ardente, ali onde a vida foi entregue, mas onde a vida foi ganha. E então se segue a feliz descoberta de que a vida que foi ganha assim foi ganha para todos, não para o eu separado, descobre que o abandono do eu separado significou a realização do Eu no homem, e a renúncia ao limite que só ele parecia tornar a vida possível significou derramar-se em miríades de formas, numa vividez e plenitude sequer sonhada, “o poder de uma vida infinita” (Hebreus, VII, 16).

Este é um esboço da Lei do Sacrifício, baseado no sacrifício primordial do Logos, o Sacrifício de que todos os outros sacrifícios são reflexos.

Vimos como o homem Jesus, o discípulo Hebreu, abandonou Seu corpo em alegre entrega para que uma Vida superior pudesse descer e se encarnar no forma que Ele sacrificou voluntariamente, e como por este ato de sacrifício Ele se tornou um Cristo de plena estatura, para ser o Guardião do Cristianismo, e derramar Sua vida na grande religião fundada pelo poderoso Ser com quem o sacrifício o identificou. Vimos a Alma-Crística passando através das grandes iniciações – nascida como uma criancinha, descendo ao rio das tristezas do mundo, com as águas com as quais ele deve ser batizado para seu ministério ativo, transfigurado no Monte, conduzido à cena de seu último combate, e triunfando sobre a morte. Agora temos que ver em que sentido ele é um expiador, como na vida-Crística a Lei do Sacrifício encontra uma expressão perfeita.

O início do que pode ser chamado o ministério do Cristo que chegou à maturidade está naquela intensa e permanente simpatia com as tristezas do mundo, o que é tipificado pela descida ao rio. Deste tempo em diante a vida pode ser resumida na frase “Ele foi fazendo o bem”, pois aqueles que sacrificam sua vida separada para serem canais da Vida divina não podem ter interesse neste mundo exceto o de ajudar os outros. Ele aprende a se identificar com a consciência de todos em seu redor, aprende a sentir como eles sentem, a pensar como eles pensam, apreciar o que eles apreciam, a sofrer como eles sofrem, e assim ele leva para sua vida desperta diária aquele mesmo senso de unidade com os outros que ele experimenta nos domínios superiores do ser. Ele deve desenvolver uma simpatia que vibre em perfeita harmonia com o múltiple acorde da vida humana, para que possa ligar em si as vidas humanas e divinas, e se tornar um mediador entre o Céu e a Terra.

Agora o poder está manifesto nele, pois o Espírito descansa sobre ele, e ele começa a se evidenciar aos olhos dos homens como um dos que são capazes de ajudar seus irmãos mais jovens a trilharem o caminho da vida. À medida em que se juntam ao seu redor, eles sentem o poder que emana dele, a Vida divina no legítimo Filho do Altíssimo. As almas que estão famintas lhe acorrem e ele as alimenta com o pão da vida; os doentes pelo pecado se aproximam, e ele os cura com a palavra viva que sana a doença e restabelece a inteireza da alma; os cegos pela ignorância se ajuntam perto dele, e ele abre seus olhos com a luz da sabedoria. È a marca mais característica em seu ministério que os mais inferiores e os mais pobres, os mais desesperados e os mais degradados, não sintam nenhuma barreira de separação quando se aproximam dele, sintam, à medida em que se aglomeram à sua volta, as suas boas-vindas, e não sua repulsa, pois ele irradia um amor que entende e que por isso jamais deseja repelir. Por mais baixo que a alma possa estar, nunca sente a Alma-Crística como estando acima de si, mas antes como estando ao seu lado, caminhando com pés humanos no chão que elas mesmas estão caminhando; porém, como cheio de um estranho poder soerguidor que as pões de pé novamente e as enche também de um novo impulso e fresca inspiração.

Assim ele vive e trabalha, um verdadeiro Salvador dos homens, até que chegue o tempo em que ele deve aprender um outra lição, perdendo por um período aquela consciência daquela Vida divina da qual a sua se tornou cada vez mais a expressão. E esta lição é que o verdadeiro centro da Vida divina reside no interior e não no exterior. O Eu tem seu centro dentro de cada alma humana – verdadeiramente Ele é “o centro em toda a parte”, pois Cristo está dentro de tudo, e Deus está em Cristo – e nenhuma vida corporificada, nada “fora do Eterno” (Light in the Path, § 8) “pode ajudá-lo em sua mais extrema necessidade. Ele tem de aprender que a verdadeira unidade do Pai e do Filho deve ser encontrada dentro e não fora, e esta lição só pode ser aprendida no mais extremo isolamento, quando ele se sente esquecido pelo Deus fora de si mesmo. À medida que esta prova se aproxima, ele clama pelos que lhe estão mais perto para que vigiem com ele nesta hora de escuridão; e então, pela ruptura de todas as simpatias humana, pelo fraquejar de todos os amores humanos, ele se encontra arremessado de volta à vida do Espírito divino, e pede a seu Pai, sentindo-se em união consciente com Ele, que faça a taça passar. Tendo ficado totalmente só, exceto por aquele Auxiliador divino, ele é digno de enfrentar o seu último ordálio, onde o Deus externo a si se desvanece, e só resta o Deus interior. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”, ecoa o amargo apelo do amor desorientado e do temor. A última solidão se abate sobre ele, e ele se sente esquecido e solitário. Porém jamais o Pai esteve mais perto do Filho do que no momento em que a Alma-Crística se sente abandonado, pois quando ele toca a maior profundeza da aflição a hora do seu triunfo começa a despontar. Pois agora ele aprende que ele mesmo deve se tornar o Deus a quem ele chama, e ao sentir a última dor da separação ele finalmente encontra a unidade eterna, ele sente que a fonte da vida está dentro de si mesmo, e se torna eterno. Ninguém pode se tornar um Salvador pleno dos homens nem simpatizar perfeitamente com todos os sofrimentos humanos a menos que tenha enfrentado e vencido a dor e o medo e a morte sozinho, salvo pela ajuda que tem do Deus interior. É fácil sofrer quando existe uma consciência ininterrupta entre o mais elevado e mais baixo; antes, não há sofrimento enquanto esta consciência permanece intacta, pois a luz do superior torna impossível a treva inferior, e a dor não é dor quando suportada diante do sorriso de Deus. Existe um sofrimento que os homens têm de enfrentar, quando a treva está na consciência humana e nem um brilho de luz a atravessa; ele deve conhecer a dor do desespero sentido pela alma humana quando há apenas sombras de todos os lados, quando a consciência vacilante não consegue encontrar uma só mão para apertar. Todo Filho do Homem desce a esta escuridão, antes que se erga triunfante; esta é a mais amarga experiência pela qual todo Cristo passa, antes que seja “capaz de levar a salvação a termo para todos eles” (Hebreus, VII, 25) que procuram o Divino através dele.

Um tal ser se tornou verdadeiramente divino, um Salvador de homens, e ele assume o trabalho do mundo para o qual tudo aquilo foi uma preparação. Nele devem penetrar todas as forças que trabalham contra o homem, a fim de que elas possam ser transformadas em forças que ajudam. Assim ele se torna um dos centros da Paz do mundo, que transmutam as forças de combate que de outra forma poderiam aniquilar o homem. Pois os Cristos do mundo são estes centros de Paz para onde afluem todas as forças conflitantes, para serem transformadas lá dentro e então derramadas de volta como forças que trabalham para a harmonia. Parte dos sofrimentos do Cristo que ainda não está perfeito reside nesta harmonização das forças discordes do mundo. Embora um Filho, ele ainda aprende pelo sofrimento e assim é “tornado perfeito” (Hebreus, V, 8-9). A humanidade estaria ainda mais cheia de combates e tomada de conflitos não fosse pelos Cristos-discípulos vivendo em seu meio, e harmonizando muitas das forças conflitantes em paz.

Quando se diz que o Cristo sofre “pelos homens”, que Sua força substitui sua fraqueza, Sua pureza substitui seus pecados, Sua sabedoria substitui sua ignorância, se diz uma verdade, pois o Cristo se torna uno com os homens para que eles compartilhem com Ele, e Ele com eles. Não há nenhuma substituição deles por Ele, mas o que acontece é Ele levar as suas vidas para a Sua, e derramar a Sua vida na deles. Pois, tendo se alçado até os planos da unidade, Ele é capaz de compartilhar tudo o que adquiriu, de dar tudo o que ganhou. Ficando acima do plano de separatividade e olhando para baixo, para as almas ainda imersas na separatividade. Ele pode alcançar a todas, embora elas não possam alcançar umas às outras. A água pode correr de cima para muitas pipas, estando elas abertas para o reservatório enquanto permanecem fechadas umas para as outras, e assim Ele pode enviar Sua vida para cada alma. Só é preciso uma condição para que um Cristo possa compartilhar Sua força com um irmão mais jovem: que na vida individual a consciência humana se abra para o divino, se mostre receptiva para com a vida ofertada, e tome o dom livremente derramado. Pois Deus é tão reverente para com aquele Espírito que é Ele mesmo no homem que Ele não derramará um fluxo de força e vida a menos que aquela alma o deseje receber. Deve haver a abertura embaixo, assim como um eflúvio de cima, a receptividade da natureza inferior, assim como a prontidão do superior para dar. Este é o elo entre Cristo e o homem, isto é o que as igrejas chamam de o “derramamento da graça divina”, isto é o que se quer dizer com a “fé” necessária para tornar a graça eficaz.

Como Giordano Bruno uma vez colocou – a alma humana tem janelas, e pode deixar estas janelas fechadas. O sol lá fora está brilhando, a luz é imutável; deixe as janelas serem abertas e a luz do sol há de entrar. A luz de Deus está batendo nas janelas de cada alma humana, e quando as janelas são descerradas, a alma se torna iluminada. Não há mudança em Deus, mas há uma mudança no homem, e a vontade humana não pode ser forçada, senão a Vida divina nele teria sua devida evolução bloqueada.

Assim, em cada Cristo que surge a humanidade é elevada a um passo mais alto, e por Sua sabedoria a ignorância do mundo é diminuída. Cada homem se torna menos fraco por causa da Sua força, que se derrama sobre a humanidade e penetra na alma individual. Desta doutrina, vista estreitamente, e assim mal interpretada, nasceu a idéia da Expiação vicária como uma transação legal entre Deus e o homem, na qual Jesus assumiu o lugar do pecador. Não foi entendido que Aquele que atingira tal altitude se tornara verdadeiramente uno com todos os Seus irmãos; a identidade de natureza foi mal tomada como uma substituição pessoal, e assim a verdade espiritual foi perdida na rudimentaridade de uma troca judicial.

“Então ele passa a conhecer o seu lugar no mundo, a sua função na natureza – e ser um Salvador e fazer expiação pelos pecados do povo. Ele está no Coração mais interno do mundo, no Santo dos Santos, como Sumo Sacerdote da Humanidade. Ele é uno com todos os seus irmãos, não através de uma substituição vicária, mas através da unidade de uma vida comum. Alguém é pecador? Ele é pecador nele, para que sua pureza possa purgá-lo. Há alguém triste? Nele ele é o homem das tristezas; todo coração partido parte o seu, em cada coração lancinado o seu também é lancinado. Alguém rejubila? Nele ele também rejubila. Alguém deseja? Nele ele sente a carência, para que possa saciá-la com sua total satisfação. Ele tem tudo, e porque é dele, é de todos. Ele é perfeito, então todos são perfeitos com ele. Ele é forte; quem então pode ser fraco, já que ele está em todos? Ele subiu até seu alto lugar para que pudesse dar a todos abaixo de si, e ele vive a fim de que todos possam partilhar de sua vida. Ele ergue todo o mundo consigo quando se ergue, o caminho fica mais fácil para todos os homens porque ele o trilhou.

“Todo filho do homem pode se tornar um Filho de Deus assim, um Salvador do mundo. Em cada Filho destes “Deus está manifesto na carne” (I Timóteo, III, 16), a expiação que auxilia toda a humanidade, o poder vivo que renova todas as coisas. Só uma coisa é necessária para trazer este poder à atividade em qualquer alma individual: a alma deve abrir a porta e deixá-Lo entrar. Mesmo Ele, em tudo presente, não pode forçar Seu caminho contra a vontade de Seu irmão, a vontade humana deverá poder manter-se tanto contra Deus como contra o homem, e pela lei da evolução ela deve associar-se voluntariamente com a ação divina, e não ser quebrada numa submissão compulsória. Que a vontade abra a porta e a vida inundará a alma. Enquanto a porta estiver fechada a vida só gentilmente emitirá através dela sua indescritível fragrância, para que a doçura de tal fragrância possa conquistar, pois a barreira não pode ser vencida pela força.

“Isto é, em parte, ser um Cristo; mas como a pena mortal poderá espelhar o imortal, ou as palavras mortais falar do que está além do poder de dizer? A língua não pode falar, a mente não iluminada não pode entender aquele mistério do Filho que se tornou uno com o Pai, carregando em Seu seio os filhos dos homens” (Annie Besant, Theosophical Review, dezembro de 1898, pp. 344-346).

Aqueles que vão se preparar para se elevar a uma tal vida no futuro devem começar mesmo já a trilhar na vida inferior a senda da Sombra da Cruz. Nem deveriam duvidar de seu poder de subir, pois duvidar disto seria duvidar do Deus em seu interior. “Tende fé em vós mesmos”, é uma das lições que vem da visão superior do homem, pois aquela fé é na realidade fé no Deus interior.

Existe um modo pelo qual a sombra da vida Crística possa recair sobre a vida comum dos homens, e é fazendo todo ato como sacrifício, não pelo que irá resultar para o que o executa, mas pelo que trará para os outros, e, na vida diária comum de pequenos deveres, ações pequenas, interesses estreitos, através da mudança dos motivos, e assim mudando tudo. Nada na vida externa precisa necessariamente ser alterado, em qualquer vida pode ser ofertado um sacrifício, Deus pode ser servido em qualquer ambiente. Desenvolver a espiritualidade é assinalado não pelo que o homem faz, mas pelo modo que o faz; a oportunidade de crescimento reside não nas circunstâncias, mas na atitude do homem para com elas. “E em verdade este símbolo da cruz pode ser para nós uma pedra de toque para distinguir o bem do mal em muitas das dificuldades da vida. ‘Só aquelas ações através das quais brilhe a luz da cruz são dignas da vida do discípulo’, diz um verso em um livro de preceitos ocultos, e isto é interpretado como que tudo o que o aspirante faz deveria ser dinamizado pelo fervor do amor auto-sacrificante. O mesmo pensamento aparece em um verso mais adiante: ‘Quando alguém entra na senda, coloca seu coração sobre a cruz; quando a cruz e o coração se tornarem um só, então ele atingiu a meta’. Assim, talvez, possamos medir nosso progresso observando se o que domina em nossas vidas é o egoísmo ou o autosacrifício” (C.W.Leadbeater, The Christian Creed, pp. 61-62).

Toda vida que começa a se modelar deste modo está preparando a gruta onde o Cristo Infante deverá nascer, e a vida se tornará uma constante unificação [at-one-ment, no original; novamente se reproduz o jogo de palavras citado antes entre atonement e at-one-ment – NT], trazendo o divino mais e mais para dentro do humano. Toda vida semelhante de desenvolverá na vida de um “Filho bem-amado” e terá em si a glória do Cristo. Todos os homens podem trabalhar nesta direção fazendo de cada ato e de cada poder um sacrifício, até que o ouro seja separado da escória, e só reste o minério puro.

Outras páginas interessantes: