Como, Em Princípio, Se Forma o Karma

Enviado por Estante Virtual em sab, 17/12/2011 - 21:41

Apanhada bem a relação existente entre o homem, o reino elemental e as energias construtoras do mental — verdadeiras energias criadoras pelo fato de chamarem à existência as formas vivas que descrevemos — é-nos possível compreender, pelo menos em parte, qualquer coisa da gênese do Karma e do seu funcionamento durante um período de existência. Prefiro dizer "período de existência" a "existência" simplesmente, porque esta é muito curta, tomada no sentido vulgar de uma só encarnação, e muito vasta se se considera a existência total, com todas as etapas, feitas com o corpo físico e com os outros, e mesmo sem ele.

Por período de existência, entendo eu um limitado ciclo da vida humana, com as suas experiências físicas, astrais e mentais, incluindo também o regresso ao limiar do mundo físico — as quatro etapas distintas por que a alma passa para completar o seu ciclo. Estas etapas são feitas e refeitas várias vezes durante a viagem do eterno peregrino, no decurso, da nossa humanidade presente, e apesar da grande diversidade de experiências que, no decorrer de cada período semelhante, variam em quantidade bem como em qualidade, esse período de existência compreenderá para a média dos homens, apenas essas quatro etapas.

É preciso e imprescindível não esquecer que a vida humana decorre muito mais tempo fora do corpo físico que encerrada nele; a perfeita compreensão da ação da lei kármica exige o estudo do modo de atividade da Alma na sua condição extrafísica. Recordemos as seguintes palavras de um Mestre, que frisam bem que a verdadeira vida, a única verdadeira, é a vida fora do corpo físico:

Os Vedas, embora conhecessem duas espécies de existências conscientes — a terrestre e a espiritual — assinalam a segunda como a única cuja realidade é incontestável. Quanto à primeira, pela extrema mobilidade e curtíssima duração, não passa de uma ilusão dos sentidos. A nossa vida nas esferas espirituais é uma realidade, porque é lá que vive o nosso Ego eterno, imutável, imortal, o Sutrâtmá... Por isso nós dizemos que a vida póstuma é a única real e que a vida terrestre, e com ela a personalidade, é imaginária(1).

Durante a vida terrestre, a atividade da Alma manifesta-se mais diretamente na criação das formas-pensamentos já descrita; mas para seguirmos com rigor a ação do Karma, analisemos o termo "forma-pensamento" e acrescentemos certas considerações que na vista geral de conjunto apresentada no princípio deixamos de parte. Atuando como espírito, a Alma cria uma imagem mental, a "formapensamento" primitiva. Conservemos este termo de imagem mental para representar exclusivamente a criação mediata do espírito e, daqui em diante, restrinjamos-lhe o sentido ao estágio inicial do que entende, em geral, por forma-pensamento. Esta imagem mental fica ligada ao seu criador, como parte constituinte da sua consciência; é uma forma de matéria sutil em vibração contínua, o verbo expresso em pensamento, mas não em corpo, pela palavra, concebido mas ainda não encarnado, feito carne. Posto isto, concentre o leitor, por um momento, o espírito nesta imagem mental para dela poder obter uma noção clara, distinta, isolada de tudo mais, separada dos resultados que ela vai produzir sobre os planos diferentes do seu. Como vimos, essa imagem faz parte integrante da consciência do seu criador, faz parte da propriedade inalienável dessa consciência; não pode separar-se dela; carrega-a consigo durante a vida terrestre; transpõe com ela as portas da morte; leva-a para as regiões de além-túmulo; e se, durante a sua viagem ascensional nessas regiões, a consciência entrar numa atmosfera demasiado rarefeita para ela, deixa atrás de si a parte mais densa da matéria que a compõe e arrasta a matriz mental, a forma essencial; ao regressar à região mais grosseira, a matéria deste plano molda-se de novo na matriz mental e, assim se cria a forma apropriada de maior densidade. Esta imagem mental pode conservar-se adormecida durante muito tempo, mas pode também ser despertada, e restituída à vida, ao movimento; qualquer impulso novo da parte do autor, ou das entidades da mesma espécie dela, vem aumentar-lhe a energia da vida e modificar-lhe a forma.

Veremos que ela evoluciona segundo leis definidas e que é o conjunto destas imagens mentais que constitui o caráter do indivíduo. O exterior é o espelho do interior, e, assim como as células se agrupam nos tecidos do corpo e sofrem por vezes, durante esse trabalho de junção, importantes modificações, assim também as imagens mentais se agrupam e compõem os característicos do espírito, sofrendo também sérias modificações. O estudo do funcionamento do Karma vai lançar- muita luz sobre estas modificações. As faculdades criadoras da Alma podem utilizar muitos materiais para a formação das imagens mentais. Se a Alma se move sob a influência do desejo (Kama), a imagem é construída segundo as sugestões da paixão ou dos apetites; se é um ideal cheio de nobreza que a estimula, a imagem será criada conseqüentemente, podendo, por exemplo, ter uma conformação segundo concepções puramente intelectuais, se for essa a tendência dominante. Mas, nobre ou vil, intelectual ou passional, útil ou perniciosa, divina ou animal, não deixa por isso de ser no homem uma imagem mental, produto da Alma criadora e determinante do Karma individual. Sem esta imagem mental, não pode existir Karma individual que ligue um período de existência a outro; a presença da qualidade manásica é necessária para fornecer o elemento permanente no qual o Karma individual se fixa. Por isso, nos reinos mineral, vegetal e animal, a ausência do Manas tem como corolário a não-geração de um Karma individual que possa ligar uma existência a outra.

Consideremos agora a relação que existe entre a forma-pensamento primitiva e a forma-pensamento derivada, ou, o que é o mesmo, entre a forma-pensamento pura e simples e a que é animada, entre a imagem mental e a astro-mental, ou forma-pensamento do plano astral inferior. Como se produziu ela? Que é? Servindonos do símbolo já empregado, diremos que ela é produzida pelo Verbo pensamento, tornado Verbo falado; a Alma emite o pensamento, como um fole, e o som toma forma na matéria astral; assim como as idéias do Espírito Universal passam a ser o universo manifesto depois de emitidas, assim também as imagens mentais vêm a ser, uma vez emitidas no espírito humano, o universo manifesto de seu criador. Ele povoa a sua corrente no espaço com um mundo seu. As vibrações da imagem mental despertam outras análogas na matéria astral mais densa, e estas produzem a forma-pensamento secundária a que eu chamei imagem astro-mental; a imagem mental, propriamente dita, permanece, como já se disse, na consciência do seu criador, mas as suas vibrações saem e reproduzem a sua forma na matéria mais densa do plano astral inferior. Ê essa a forma que fornece um invólucro a uma parte da energia elemental, particularizando-a durante o tempo que a forma dura, visto que o elemento manásico desta forma dá um tom de individualidade àquilo que a anima.

(Como as correspondências da Natureza são maravilhosas!) É essa a entidade ativa de que o Mestre fala na sua descrição e é esta imagem astro-mental que transpõe, as fronteiras do plano astral, conservando com o seu criador o laço magnético a que nos referimos(2), reagindo sobre a imagem mental de onde provém e agindo da mesma forma sobre as outras. A duração de uma imagem astro-mental é maior ou menor, segundo as circunstâncias, mas o seu desaparecimento não afeta a persistência da imagem mental; o mais pequeno impulso novo que lhe seja dado, faz com que ela produza novamente o seu duplo astral, do mesmo modo que a repetição de uma palavra conduz a uma forma nova.

As vibrações da imagem mental não só descem ao plano astral inferior, como sobem ao plano espiritual que está por cima(3); e se no plano inferior dão origem a uma forma mais densa, no superior geram uma forma muito mais sutil — propriamente nem "forma" lhe deveria chamar, tão sutil ela é — no plano superior, no Akasha, nesta matéria emanada do próprio Logos. O Akasha é o depósito de todas as formas, o tesouro onde o Espírito Universal, infinitamente rico, guarda as abundantes reservas das idéias que hão de vir a criar corpo num universo (Cosmo) dado. É essa matéria que se deixa penetrar pelas vibrações que, no Cosmo, provêm de todos os pensamentos, de todas as inteligências, de todos os desejos, de todas as entidades kâmicas e de todas as ações levadas a cabo por todas as formas, em todos os planos. Todas deixam lá a sua marca, produzindo imagens de tudo o que acontece, imagens sem forma para nós, mas de uma grande precisão para as inteligências espirituais elevadas; estas imagens akáshicas — chamar-lhes-emos assim, daqui em diante — subsistem assim para sempre e são como verdadeiros anais kármicos, são o livro dos Lipikas(4) que todos aqueles que têm os "olhos abertos de Dangma" podem ler. É a reflexão destas imagens akáshicas que a atenção exercitada pode projetar no alvo da matéria astral — à semelhança das figuras projetadas num alvo por uma placa de lanterna mágica — de forma que uma cena do passado pode reproduzir-se com a sua realidade cheia de vida e com a precisão de todos os detalhes, por mais longínqua que seja a sua existência; porque tudo o que aconteceu existe nos anais akáshicos, impresso uma vez para sempre. Cada página destes anais fornece ao vidente exercitado um quadro vivo e cheio de movimento, que ele pode dramatizar e até viver.

Seguindo com atenção esta descrição, apesar de imperfeita, pode o leitor fazer uma idéia do Karma, como causa. No Akasha pintar-se-á a imagem mental criada pela Alma e dela inseparável, e bem assim a imagem astro-mental que dela emana, criatura ativa e animada, que percorre o plano astral produzindo variadíssimos efeitos, todos eles representados exatamente nas suas relações com ela; estes efeitos permitem remontar à imagem, e por esta ao seu autor, por meio de fios que a imagem astro-mental tecesse da sua própria substância, à maneira das aranhas, cada um com a sua nuança particular. Seja qual for o número de fios que possam ser tecidos com vista à obtenção de um certo fim, cada um deles é sempre fácil de reconhecer e pode ser seguido até ao seu autor primeiro, que é a Almacriadora da imagem mental. É com esta comparação grosseira, que podemos fazer compreender numa linguagem pobre e insuficiente, às nossas inteligências toscas e terra a terra, como os grandes Senhores do Karma, executores da lei kármica, abrangem com um único golpe de vista a responsabilidade de cada indivíduo, a inteira responsabilidade da Alma, que criou a imagem mental, e a sua responsabilidade parcial derivada dos efeitos longínquos produzidos por essa imagem — responsabilidade maior ou menor, visto cada um dos resultados ser feito com o número de fios kármicos que contribuíram para a sua formação. E a importância do papel exercido no funcionamento do Karma pelos móveis das ações, e a razão por que a energia criadora destas é relativamente limitada, também o nosso símile nos ajuda a compreender, visto que o Karma atua em todos os planos em conformidade com os elementos constitutivos de cada um deles, ao mesmo tempo que liga estes planos, uns aos outros, por meio de um fio contínuo.

As concepções luminosas da Religião-Sabedoria lançam luz a jorros sobre o mundo, dispersando as trevas e revelando a ação da justiça absoluta que se manifesta, embora à primeira vista não pareça, no meio de todos os aparentes absurdos, desigualdades, sensaborias e desgostos da vida; não é, pois, de admirar que os nossos corações se abram no mais profundo reconhecimento para com esses Magnânimos Seres — abençoados sejam Eles — que empunham .o brandão da verdade no meio desta escuridão profunda em que vivemos e nos libertam da tensão, que decerto nos asfixiaria, transformando esta vida numa agonia dolorosa, perante o espetáculo de tanto mal e tanta desgraça aparentemente sem remédio se deles não nos viesse a certeza de uma justiça universal, que tudo vê e remedeia.

Para melhor se compreender o que encerra um período de existência, apresentamos o quadro seguinte que nos mostra o tríplice resultado da ação da alma, estudado em princípio e como tal elucidativo do Karma, considerado como causa.

Os resultados destas imagens são as tendências, capacidades, oportunidades, "entourages", etc., destinadas principalmente às vidas futuras, e são produzidos segundo leis bem definidas.

 


Notas do capítulo:

  1. Lúcifer, out.1872 – A Vida e a Morte
  2. Cf. págs. 16-17 e o quadro da pág. 08. 
  3. Estas palavras "subir" e "descer" podem conduzir a erro, visto que os planos não estão uns por cima e outros por baixo, mas sim penetrando-se uns nos outros. 
  4. A Doutrina Secreta

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