A Realidade da Vida Celeste

Submitted by Estante Virtual on Wed, 12/14/2011 - 20:41

Os críticos que só conhecem pela metade os ensinos teosóficos sobre o homem argúem dizendo que a vida do indivíduo vulgar nos subplanos inferiores do mental é um sono ou uma ilusão, pois quando se imagina ditoso em meio a seus parentes e amigos, ou leva a cabo seus planos, tal plenitude de feliz êxito, é vítima de uma cruel alucinação, ao contrário da positiva objetividade do céu prometido pelas religiões confessionais.

Duplamente se pode redargüir a semelhante objeção. Em primeiro lugar, quando estudamos os problemas escatológicos, não nos concerne qual das hipóteses estabelecidas seria a mais deleitosa, porque isto, afinal de contas, é matéria opinável, senão que mais nos interessa qual das duas hipóteses é a verdadeira. Em segundo lugar, quanto mais investigamos os fatos referentes a este particular, vemos que os sustentadores da teoria ilusória consideram o assunto sob um mau ponto de vista e não compreendem bem os fatos.

Quanto ao primeiro ponto, a verdade do caso é de fácil percepção pelos que já atualizaram a faculdade de transportar-se conscientemente ao mundo mental durante a vida terrena (1), e quando investigamos assim, nossas investigações concordam perfeitamente com os informes que os Mestres da Sabedoria nos deram por meio de nossa instrutora a Senhora Blavatsky. Estes informes negam a hipótese da positiva negatividade e deixam a cargo dos ortodoxos a incumbência de demonstrá-la.

Quanto ao segundo ponto, afirma-se que o homem não chega a conhecer a verdade absoluta no mundo mental inferior, e portanto ainda subsiste ali o ilusório. Porém não é isto o que motiva os objetantes, mas, sim, que ao seu parecer a vida celeste tal como é e nós entendemos, resultaria ainda mais ilusória e estéril do que a física, a qual se opõe por completo à realidade dos fatos.

Diz-se que no mundo mental inferior o indivíduo forja o seu próprio ambiente e que por esta razão ele só percebe uma pequena parte do subplano onde se encontra. Pois também sucede o mesmo no mundo físico, no qual o indivíduo não o percebe em todo o seu conjunto, mas tão-só aquela parte que sua situação, cultura e faculdades lhe permitem perceber.

É evidente que o conceito tido pelas pessoas em geral durante a vida terrena de que tudo quanto as rodeia é incompleto, deficiente e inexato em muitos aspectos: em que sabem das forças etéreas, astral e mental atuantes em tudo que percebem e que é a parte mais importante do percebido? Que sabe dos recônditos fenômenos físicos que o rodeiam e o contatam a cada passo que dá? É verdade que tanto na terra como no mundo mental inferior o homem vive num mundo que em sua maior parte é de sua própria criação. Nem na terra, nem no céu inferior ele se dá conta disso, por causa de sua ignorância, de que não conhece nada melhor.

Diz-se que no mundo mental inferior toma o homem como realidades seus pensamentos ou imagens mentais? Pois assim é porque o mundo mental inferior é o mundo dos pensamentos, e ali só pensamento pode ter realidade. E já que no mundo mental inferior o homem reconhece a realidade do pensamento, enquanto que no mundo físico não reconhece essa realidade, em que plano é maior a ilusão? Os pensamentos do homem no mundo mental inferior são para ele realidades, capazes de produzir os mais surpreendentes resultados favoráveis nos viventes no mundo físico, pois no mundo mental só são possíveis os pensamentos amorosos.

Do dito se infere que a teoria que considera ilusória a vida celeste, deriva de um falso conceito desta vida e denota conhecimento incompleto de suas condições e possibilidades. O certo é que à medida que adiantamos na evolução, vamos nos aproximando da Única Realidade.

Ajudará o principiante a compreender quão positiva e inteiramente natural é a vida celeste de um indivíduo, ao considerá-la como resultado das vidas astral e física. Todos sabemos que durante a vida terrena não realizamos nossos altos ideais nem conseguimos nossas nobres aspirações, pelo que nos parece termos lamentavelmente perdido nosso tempo e trabalho. Sabemos, no entanto, que não é possível tal perda de tempo, porque a lei da conservação e transmutação da energia rege também nos planos suprafísicos. Grande parte da energia espiritual que o homem atualiza e libera, não pode reagir sobre ele durante a vida terrena, porque enquanto o Ego estiver sob o peso da carga da carne, não será capaz de responder às sutilíssimas vibrações dos planos superiores. Mas no mundo mental desaparecem todos estes obstáculos, e a energia acumulada reage inevitavelmente segundo requer a lei de justiça. Assim diz o poeta Browning: "Jamais se perde o bem. O que foi reviverá. Bom será o que foi bom, e em bem se transmutará o mal".

"Partidos estão na terra os arcos que íntegros em sua redondeza aparecerão no céu."

"Tudo quanto bom quisemos, esperamos ou sonhamos, terá realidade em si mesmo, não em semelhança. A beleza, o bem e o poder sobreviverão para o artista quando a eternidade afirmar o conceito de uma hora."

"O ânimo levantado, o heroísmo, a paixão com que abandonou a terra para chegar ao céu, são música que o amador e o bardo enviam a Deus, que a ouve instantaneamente e nós prontamente a ouviremos."

Outro ponto que se deve ter em vista é que o sistema pelo qual a natureza ordenou a vida ultrafísica é o único capaz de alcançar o seu objetivo de tornar feliz a cada ser em toda a sua aptidão para a felicidade. Se a felicidade celeste fosse de um só tipo, segundo a teoria ortodoxa, alguém haveria que dela se cansasse e alguém também incapaz de participar dela, ou por falta de gosto nesse sentido ou por carência da tremenda injustiça que suporia a eternidade de semelhante monotonia, por ditosa que fosse, conferida a todos por igual sem distinguir entre os seus merecimentos.

Por outro lado, que outra ordenação poderia ser igualmente satisfatória com relação aos parentes e amigos? Se os que estão no mundo celeste fossem capazes de presenciar as flutuações de fortuna dos que deixaram na terra, ser-lhes-ia impossível a felicidade; e se ignorantes do que eles passam na terra, houvessem de esperar muitos anos em suspenso, quando voltassem a ver-se, quiçá se houvesse debilitado o parentesco ou amizade.

No sistema tão sabiamente ordenado pela natureza se evitam todas estas dificuldades e cada qual determina, segundo as causas que estabelece durante a sua vida terrena, a duração e o tipo de sua vida celeste, de modo que não pode ser mais feliz do que o mereça, e a sua felicidade se acomodará ao tipo de seu temperamento e idiossincrasia. Estarão continuamente com ele os seus amados parentes e amigos, sem que nunca apareça nem a mais leve sombra de discórdia nem de mudança entre eles, pois ele recebe deles exatamente o que deseja receber. Numa palavra, a ordenação divinamente estabelecida é infinitamente superior a qualquer outra que o homem pudesse imaginar em sua substituição, que afinal não passaria de especulações do que ao homem pareceria melhor. Mas a verdadeira idéia é a de Deus.

Tratemos agora da renúncia à vida celeste. Faz muito tempo é já opinião comum dos estudantes de ocultismo que entre as possibilidades de um progresso mais rápido abertas ao homem segundo se adiante, conta-se a de renunciar à vida celeste entre duas encarnações com o fim de voltar mais cedo para prosseguir a obra no plano físico. Não é que o homem renuncie à recompensa, porque a vida celeste não é tal, mas, sim, é o resultado da vida na terra, durante a qual o homem, por meio de elevados pensamentos e aspirações, atualiza certa quantidade de energia espiritual que reagirá favoravelmente a ele quando chegar ao mundo mental. Se a energia atualizada for pouca, não tardará a extinguir-se e a vida celeste será curta; se, ao contrário, atualizou copioso caudal de energia, a vida celeste será longa, mas não se deve supor que seu progresso se detenha ou que ele perca ocasiões de ser útil.

Para todos, exceto para alguns indivíduos muito adiantados, a vida celeste é absolutamente necessária, porque só assim é possível que suas aspirações se convertam em faculdades, suas experiências em conhecimentos, e o progresso que o Ego realiza deste modo é muito maior do que seria possível se por milagre permanecesse encarnado durante este período. Se fosse de outra maneira, seria a negação das leis da natureza de que quanto mais próximo estivesse de conseguir seu magno objetivo, mais determinados e formidáveis seriam os seus esforços para invalidarse, o que não se enquadra a leis que manifestam a mais alta sabedoria.

A renúncia à vida celeste não está ao alcance de todos. A lei não permite que o homem renuncie cegamente ao que desconhece, nem lhe consente desviar-se do trajeto regular de seu progresso enquanto tal desvio não resulte posteriormente em seu benefício. A regra geral é que a ninguém se consente renunciar à vida celeste até que sua consciência tenha evoluídode maneira que enquanto se achar no mundo físico seja capaz de transportar-se conscientemente ao mundo celeste e, ao volver a si de seu êxtase, a consciência vigílica recorde claramente a esplendente glória que é de natureza tão superior a tudo quanto seja concebível ao homem comum na terra.

Poder-se-ia objetar alegando que, uma vez que se trata do progresso do Ego, bastaria que este em seu próprio plano compreendesse a conveniência de renunciar à felicidade celeste, e obrigar então a personalidade a atuar de conformidade com tal decisão. Mas este procedimento não seria de estrita justiça, porque a felicidade celeste no mundo mental inferior corresponde ao Ego por meio de sua personalidade, e portanto é mister haver acordo entre o Ego e o corpo mental inferior a respeito da renúncia. Para isto seria preciso que já na vida terrena o homem tivesse a mesma consciência mental que terá quando passar para o mundo mental depois das vidas física e astral.

Contudo, a dilatação da consciência vai do inferior para o superior, e a grande maioria das pessoas só é efetivamente consciente no mundo físico, pois seus corpos astrais estão ainda incipientes e por se organizarem.

São pontes de trânsito entre o Ego e o corpo físico; são os receptores de sensação, mas não são ainda instrumentos de que o Ego se possa valer para a sua manifestação consciente no mundo astral.

Nos indivíduos mais adiantados da humanidade o corpo astral tem maior desenvolvimento e o Ego pode em muitos casos concentrar nele a sua consciência, ensimesmado em seus próprios pensamentos sem atender ao que o rodeia. Alguns estudantes de ocultismo são plenamente conscientes no mundo astral e sua atuação traz valiosos benefícios à humanidade, embora tardem algum tempo em recordar no mundo físico suas atividades e experiências no mundo astral. Geralmente a recordação é nula na primeira etapa de sua atuação, e pouco a pouco vai tendo recordações parciais e intermitentes; e há casos em que, por várias razões, nada se recorda no mundo físico da permanência no mundo astral.

A atuação consciente do mundo mental inferior indicaria progresso maior do homem ainda encarnado e fazendo sua evolução normal, mas para isso será necessário que previamente ele tenha estabelecido uma firme conexão entre os corpos astral e físico. Porém nesta unilateral e artificiosa civilização moderna, nem todos evolucionam normalmente e há casos em que um considerável grau de consciência mental foi adquirido na vida astral e não se transfere para a vida física. Estes casos são muito raros, porém certamente existem, e neles vemos desde logo a possibilidade de uma exceção à regra.

Uma entidade deste tipo poderia estar bastante evolucionada para gozar a indescritível felicidade celeste e adquirir o direito de renunciar a ela, embora só fosse capaz de transferir a recordação do gozo à vida astral e não à vida física. Como, porém, segundo nossa tese, a personalidade teria plena e perfeita consciência na vida astral, semelhante recordação bastaria para satisfazer os quesitos da justiça, embora nem a mais leve noção deste processo alcançasse a consciência física.

O essencial consiste em que, se a personalidade tem que renunciar à vida celeste, à personalidade incumbe experimentar esta vida para saber ao que ela renuncia, e a recordação da experiência tende a transferir ao plano em que normalmente atue com plena consciência, sem que tal plano tenha de ser necessariamente o físico, pois também podem satisfazer-se as mesmas condições no plano astral, embora este caso só seja possível aos discípulos de um Mestre de Sabedoria, que estejam em período probatório.

Portanto, quem deseje abnegadamente renunciar à vida celeste tem de se esforçar intensamente em ser um valioso instrumento nas mãos daqueles que ajudam o mundo dos homens. Devem dedicar-se fervorosamente ao trabalho pelo bem espiritual do próximo, sem jactar-se de merecer tão alta honra, e sim, com a humilde esperança de que depois de uma ou duas vidas de vigorosos esforços, seu Mestre lhe diga que chegou a hora de lhe permitir a renúncia da vida celeste.

 


Notas do capítulo

  1. Sobre esta possibilidade nos dá provas concludentes o Apóstolo S. Paulo. (II Coríntios. II, 2, 3 e 4.) (N. da T.)

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