A importância do grupo

Enviado por Mauricio Medeiros em sab, 14/04/2012 - 17:56
Hands forming a chain

Venho pensando bastante na importância dos grupos que encontramos ao longo de nossa caminhada, e no nosso papel dentro de cada um deles. Sejam religiosos, esotéricos, filosóficos, ou de cunho mais prático, que busquem iniciar ações de caridade, aplicar técnicas de cura, ou ensinar algo, eles são a espinha dorsal de nossa jornada.

É comum termos um histórico de passagens por grupos diversos que falharam - real ou aparentemente - em seu propósito inicial. Normalmente a razão disso é bastante simples: os indivíduos, vistos separadamente, são pessoas fantásticas, mas a pequena parcela de vaidades, orgulho, busca por reconhecimento e preconceitos que cada um traz somam-se e provocam conflitos que acabam se tornando insustentáveis. Isso pode se refletir na corrupção dos valores inicialmente sustentados, ou na própria extinção do grupo.

Esse resultado pode ser diferente se mantivermos algumas coisas sempre em foco. Vou colocar alguns textos aqui para reflexão.

Os dois trechos abaixo foram retirados do livro "Ocultismo Prático", de Blavatsky, e aparecem dentre uma lista de 12 dos requisitos exigidos dos discípulos que desejam ingresso na Fraternidade:

Nos estudos, os Upasakas (discípulos) devem ser unidos como os dedos da mão. Imprimirás em suas mentes que o que quer que fira a um ferirá aos demais, e se a alegria de um não encontrar eco nos peitos dos demais, então as condições requeridas estão ausentes, e é inútil prosseguir.
 
Ninguém pode permitir-se sentir a diferença entre si e seus colegas estudantes, tal como 'eu sou o mais sábio', 'eu sou mais santo e agradável ao meu instrutor, ou em minha comunidade, do que o meu irmão', etc - e permanecer um upasaka. Seus pensamentos devem estar predominantemente fixos em seu coração, afugentando dele qualquer pensamento hostil para qualquer ser vivente. O coração deve estar saturado do sentimento de não-separatividade dos demais seres e de tudo na Natureza; do contrário nenhum êxito será possível.

Sobre elas, Leadbeater comenta no livro "Os Mestres e a Senda":

As regulamentações morais e éticas nos são familiares, bem como a insistência na necessidade de perfeita harmonia e mútua compreensão entre os discípulos que têm de aprender e trabalhar juntos. É para este último objetivo que se dirige a maioria das regras citadas, e no caso de um grupo de estudantes, dificilmente se pode exagerar sua importância. Na vida ocidental temos insistido tão fortemente sobre o individualismo e sobre o incontestável direito de cada pessoa viver a sua própria vida contanto que não incomode outros, que em larga extensão nos esquecemos da possibilidade de uma união realmente íntima. Ao invés de unidos como os dedos da mão, vivemos juntos como uma porção de bolas num saco, o que está longe do ideal do ponto de vista interno.

Passando às palavras do Tibetano, vemos novamente essa exortação à dedicação pelo grupo. O trecho abaixo se refere a regra IX (de um total de XII) que deve ser seguida pelos solicitantes à iniciação, e é encontrada no livro "Iniciação Humana e Solar":

Que o discípulo se funda no círculo dos seus outros <eus>. Que uma cor única os misture e sua unidade apareça. Somente quando o grupo é conhecido e sentido, pode a energia emanar sabiamente.
 
Uma coisa que todos os discípulos e solicitantes à iniciação têm que fazer é encontrar aquele particular grupo de servidores ao qual pertencem no plano interno, reconhecê-los no plano físico e unirem-se a eles no serviço pela raça. Este reconhecimento estará baseado:
 
a) Na unidade do objetivo.
b) Na unidade da vibração.
c) Na identidade na afiliação grupal.
d) Nos laços cármicos de antiga existência.
e) Na capacidade de trabalhar em relação harmônica.
 
Superficialmente, esta pode parecer uma das regras mais fáceis, mas, na prática, não é assim. Os equívocos ocorrem com facilidade e o problema de trabalhar harmonicamente no alinhamento grupal não é tão simples como possa parecer. A vibração egóica e o relacionamento podem existir e, no entanto, as personalidades externas podem não se harmonizar. É a tarefa, então, do solicitante, fortalecer o laço de seu Ego sobre sua personalidade, de modo que a relação esotérica do grupo se torne possível no plano físico. Ele fará isso disciplinando sua própria personalidade, e não corrigindo seus irmãos.

Quando comecei a ler essa regra, minha primeira reação foi pensar que se eu não me harmonizo no plano físico com alguém, esse alguém não faz parte do meu grupo de trabalho no plano interno, já que eu os reconheceria "na capacidade de trabalhar em relação harmônica", e portanto devia continuar na busca pelos meus verdadeiros companheiros. Mas é feito um alerta muito claro pelo Tibetano: a relação harmônica citada é de origem egóica, e não da personalidade. É nossa tarefa "fortalecer o laço do nosso Ego sobre nossa personalidade" para que a relação harmônica se crie - e mais importante, isso é um esforço interno, de disciplinar nossa personalidade, e não externo, de corrigir nossos irmãos.

Citamos várias passagens de autores teosóficos, mas é interessante notar que o foco no desenvolvimento grupal não é exclusivo dessa linha de pensamento. Como exemplo, vemos o trabalho em prol de congregações religiosas, ou passagens como a descrição abaixo de Sri Aurobindo, ao falar dos princípios da Yoga Integral, por ele idealizada:

A terceira característica trata do Yoga Coletivo, e é um dos pontos principais para a realização de um trabalho verdadeiro em busca da realização divina. O objetivo procurado pelo Yoga Integral não é uma aquisição individual, mas algo para a Consciência Terra. Sem dúvida, este processo é mais difícil: o trabalho se torna mais complicado, mais complexo, requerendo uma força maior, uma extensão maior e uma paciência maior, uma tolerância maior e uma persistência maior; isto porque você vai ampliar a si mesmo em direção aos outros, ao grupo. Se todos assim o fizerem, estaremos no caminho ideal, isto é, formaremos um único corpo, uma personalidade, trabalhando ao mesmo tempo para si e para os outros, sem distinção.

Por fim, outra declaração do Tibetano, retirada do livro "Psicologia Esotérica":

Devo lembrar àqueles para quem escrevo, que o principal resultado que procuro alcançar é o da cooperação e da compreensão grupais, e não o do benefício individual. Pela leitura e cuidadoso estudo, cria-se uma interação grupal, o grupo se torna mais intimamente integrado, seus componentes mais ligados e, como um grupo, numa fusão mais íntima no desenvolvimento do Plano dos Grandes Seres. Estamos construindo e planejando para o futuro e para a humanidade, não para o desenvolvimento pessoal de qualquer aspirante em particular. O crescimento individual não tem grande significação. A formação e o desenvolvimento de um grupo de aspirantes consagrados, treinados para trabalhar em conjunto e para responder em uníssono ao Ensinamento, é o que tem verdadeira importância para aqueles de nós que somos responsáveis pelo treino e pela preparação do grupo de discípulos mundiais que agirão com liberdade e poder num ciclo posterior. (...) Estamos preparando homens e mulheres em toda parte, que possam ser sensíveis ao Plano, sensíveis à sua vibração grupal, e assim capacitados para cooperarem inteligentemente com o propósito do desenvolvimento. É um erro pensar que o Plano seja treinar aspirantes para serem sensíveis à vibração de um Mestre da Hierarquia. Isto é apenas incidental e de menor importância.
 
Estes livros foram escritos com o propósito de treinar aspirantes de modo que a consciência grupal possa ser desenvolvida. Reconheçam claramente que vocês pessoalmente não contam, mas que o grupo certamente conta. 

No fim, tudo se resume a uma questão de disciplina. Disciplina definida como "a decisão, livre e soberana, de exercermos a nossa vontade para honrar os compromissos que assumimos". Quando começamos nossa busca por conhecimento, não temos consciência do que nossas ações podem provocar, e de nossa responsabilidade na criação da realidade que vivemos. Mas em pouco tempo esse entendimento começa a nos trazer uma responsabilidade que não pode ser ignorada.

Acredito que aliado a disciplina, esse senso de responsabilidade é uma das coisas mais importantes que temos que solidificar no caminho que escolhemos - a responsabilidade para conosco, para com os nossos filhos, para com nossos irmãos, sejam de sangue ou de caminhada. E o principal reflexo da compreensão dessa responsabilidade não está no perfeito cumprimento de um determinado ritual ou no respeito a um sacerdote, mas sim nas pequenas cenas do dia a dia: na escolha da nossa linguagem, dos nossos sentimentos, nas críticas desnecessárias que fazemos, no "deixar pra lá" algum assunto porque estamos com preguiça... Tudo isso afeta nossa tônica, e a partir do momento em que iniciamos um treinamento para desenvolver nosso poder mental e nossa vontade, esses pequenos deslizes se acumulam de uma forma muito prejudicial e afetam mais do que normalmente nos damos conta tanto a nós como aos que estão a nossa volta. Temos que ter a disciplina para nos mantermos no caminho com o qual nos comprometemos. Com certeza falharemos - não somos Adeptos, nosso controle sobre a personalidade ainda não é perfeito, nem nosso Ego está completamente evoluído. Mas nossa imperfeição deve nos apontar o caminho de melhora, e não servir de justificativa para o erro.

É difícil deixar de lado nossa personalidade para dar a importância nescessária ao grupo. Os conceitos de unidade e individualidade são misturados em nossa mente, e expressões como "eu acredito que não existe nada além da unidade" refletem o paradoxo que vivenciamos sem perceber. Afirmamos que tudo é uma unidade, porém a partir de um ponto de vista dual! Essa forma de expressão é uma necessidade enquanto estamos condicionando nossa personalidade a responder ao Ego. Mas ela mostra o quanto temos que ser conscientes dessa dualidade, e do objetivo que buscamos. Apenas assim podemos tomar decisões que beneficiem nossa alma, e não apenas alimentem nossa personalidade.

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